Wednesday, May 20, 2015

LIVRO: Duma Key (Duma Key) - Stephen King

Que satisfação em, após um longo período de abstinência eu estar escrevendo novamente sobre um livro. Aliás, mais metalinguagem do que isso, impossível, texto falando de literatura! Mas enfim, este para mim é um momento especial porque marca a primeira resenha de um livro que farei aqui em meu blog. As outras que escrevi foram feitas bem antes de eu sequer pensar em ter um blog, lá de volta em 2011, então já faz bastante tempo. Eu pretendo aumentar em breve essa carga de livros aqui, games também; o problema é ter tempo pra escrever sobre essas mídias. Filmes, música e séries são mídias mais fáceis de se escrever, não se dispende tanto tempo para se analisar, agora um livro bem escrito, ou até mesmo um game leva um tempo e meu tempo anda bastante reduzido, mas pretendo consertar isso até o final deste ano. Enfim, não poderia deixar que esse ano passasse sem eu ao menos escrever sobre algum ou alguns livros, então resolvi abraçar esta oportunidade e escrever sobre esta história que está entre uma das mais emocionantes que eu já li.

Há algo que eu quero aproveitar para dizer aqui e que eu não cheguei a dizer lá atrás em minha resenha de Dreamcatcher: eu tenho uma grande coleção de livros de Stephen King, considerado por muitos como o mestre do terror e suspense literário. Sou o que se pode chamar de fã do escritor. Claro, isso não quer dizer que eu ache todos os seus trabalhos uma maravilha, mas gosto de muita coisa que ele escreve e gosto também de seu estilo mais despojado de escrita, estilo esse que não deixa de ter sua beleza e o toque poético de King que, através de seu texto, constrói paisagens e climas arrebatadores para incutir terror, seja por meios psicológicos ou por meios meramente sensoriais através de situações chocantes e tramas de redenção que escreve.

Em Duma Key, King consegue misturar muito bem, elementos de sobrenatural como fantasmas e poderes inexplicáveis a situações chocantes e uma trama edificante de superação e redescoberta. Acompanhamos, no início do livro, as desventuras de um ex-empreiteiro de sucesso chamado Edgar Freemantle. Ele é divorciado, tem uma filha, Ilse, e consegue bons contratos de serviço até que um dia sua vida muda completamente. Durante um pavoroso acidente de caminhão que teve envolvendo um guindaste, ele acaba perdendo seu braço direito. Não só isso... ele tem seu quadril quase destruído, sofrendo fortes dores, passa a mancar em uma das pernas e a ter uma visão avermelhada em um dos olhos, ou seja, ele quase morreu no acidente.

Por essa razão, ele deixa seu emprego na empresa de construção que trabalhava e se muda por um ano para uma pacata ilha, em um vilarejo na praia chamado de Duma Key. Lá ele se estabelece em uma pequena casa e passa a ocupar seu tempo com a pintura, além de receber eventuais visitas da filha e da ex-esposa e se comunicar com Ilse via e-mail, algo que o seu médico disse que ajudaria para superar as suas eventuais mudanças de temperamento resultantes do acidente e ideias de suicídio. Um dia, em uma de suas caminhadas pela praia, Edgar conhece um cara chamado Jerome Wireman.

Wireman é um ex-advogado quarentão que perdeu sua esposa e filha e tentou se matar com um revólver. Não conseguindo, descobrimos mais a frente no romance que a bala havia ficado alojada em seu crânio e eventualmente iria matá-lo. No entanto, Wireman tenta manter uma atitude positiva em relação ao restante de vida que tem. Ele cuida de uma idosa rica e proprietária da ilha que vive lá perto, chamada Elizabeth Eastlake. Ela está presa em uma cadeira de rodas e sofre de Alzheimer.

É interessante o subtexto de King aqui, não? Três pessoas debilitadas fisicamente de três gerações diferentes, sem absolutamente nenhuma perspectiva futura de vida se tornam próximas. E a história de redenção delas, especialmente de Edgar e Eastlake é fantástica e se interconectam.

E fica ainda mais fantástica devido a uma habilidade especial adquirida por Edgar. Ele possuía, há muitos anos atrás esse hobby de pintar. Nunca pintou grandes coisas. Mas desde que perdeu seu braço, começou a sentir uma coceira em seu membro fantasma e uma sensação estranha. Para quem não sabe, toda pessoa que perde uma parte do corpo passa a ter uma sensação fantasma, de que essa parte ainda está lá, de alguma forma. Após algum tempo, essa sensação desaparece e a pessoa se habitua à não existência dessa parte, mas com Edgar a coisa foi meio diferente.

Ele começa a pintar novamente na ilha; pintava compulsivamente. Toda vez que sentia uma coceira em seu braço fantasma, começava a entrar em uma espécie de transe e pintava algo. E tudo aquilo que pintava, acontecia de verdade. Exemplos? Ele fez um desenho que mostrava que algo de muito ruim iria acontecer com sua filha Ilse, o que acaba ocorrendo. Também há um trecho em que ele recebe a visita de um cara importante da ilha e faz uma pintura dele também, mas é interrompido e esquece de pintar o nariz e a boca do sujeito. Resultado: no dia seguinte, sai a notícia de que o cara havia morrido.

Em outras palavras, ele havia adquirido poderes sobrenaturais na ilha não somente de prever acontecimentos futuros, mas também de fazer acontecer aquilo que pintava. Sempre que coçava seu braço fantasma, era algo importante que era colocado no quadro. Isso cria uma intertextualidade forte com o modo de se contar histórias através dos livros. O escritor é aquele que pinta com as palavras. O cineasta é aquele que pinta imagens em movimento. O quadrinista está mais próximo do pintor artista, que desenha quadros. Há também um personagem na graphic novel Watchmen de Alan Moore que podia pintar o futuro. Enquanto mídias conversam e ideias são costuradas nesta interessantíssima trama de King, o protagonista Edgar busca sua redenção.

Ele queria poder fazer algo de importane novamente. As pessoas acabam por visitá-lo na ilha e a observarem seus quadros. Logo em seguida Edgar está fazendo exposições de suas pinturas. Em uma dessas exposições, a Sra. Eastlake sai de seu estado vegetativo e passa a ter uma atitude festiva e alegre, receptiva com todos. Ela invade a exposição de Edgar e detalha pontos importantes de seus antepassados na história, além de dar mensagens importantes a Edgar, como "a mesa está sangrando".  Logo somos apresentados a outro personagem importante da trama e também a entidade por trás das forças sobrenaturais da ilha, Perse.

Edgar retorna a sua casa que ele apelidou de Big Pink e vê uma pintura no chão chamada "Onde está minha Irmã?", que é uma pista importante para a épica e totalmente sobrenatural conclusão da trama. No clímax, Edgar com uma lanterna na mão, tem contato com os antepassados da ilha e da Sra. Eastlake a beira do oceano na praia, e descobre que suas pinturas estão de alguma forma conectadas à eventos passados da infância da idosa.

Ele descobre que a senhora sofreu um ferimento na cabeça que fez ela passar a pintar ela mesma e também teve contato com a entidade Persefone, que cometeu algo que afetou profundamente a vida de Elizabeth. Edgar portanto se envolve nos assuntos da família dela tentando de alguma forma deter a influência caótica desta entidade na ilha.

Que trama mirabolante e interessante! Há também uma atmosfera fora do comum em todos os eventos, especialmente no furioso terceiro ato. King tem uma habilidade praticamente cinematográfica de compor o imaginário dos eventos de suas histórias, como se você pudesse ver na sua frente a cena conforme lê; há um trecho épico que eu nunca mais vou esquecer, é um que eu gosto de chamar de "cena do Guns'N'Roses". Era noite, ia começar uma tempestade. Edgar está de frente a uma tela de canvas branca, vazia. Então começa a tocar "Welcome to the Jungle" no rádio e Edgar sente aquela sensação estranha. A introdução da música vai crescendo conforme Edgar ergue seu braço esquerdo ao céu com o pincel na mão e um relâmpago desce dos céus quando Edgar finalmente começa a pintar seu próximo quadro. Fico todas as vezes arrepiado, imaginando como seria fantástico ver o potecial visual disso traduzido para filme!

Uma última coisa interessante que eu gosto de destacar são alguns capítulos curtos divididos entre a trama, que chamam "Como Pintar um Quadro". Ao todo são 12 partes. Entre as aparentes lições de pintura que esses capítulos dão, eles de alguma maneira trazem uma metalinguagem bastante inteligente e filosofam com a forma como se conta histórias e o que cenas e o poder do imaginário significam para nós.

Enfim, um livro cheio de surpresas, cenas belas e uma história belíssima que mexe com os sentidos. Fazia bastante tempo que King não lançava algo do tipo, e este é um livro que as pessoas precisam conhecer mais.

Duma Key (2008)
Título em português BR: Duma Key
Nota: 10 / 10

Escrito por: Stephen King

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