Normalmente quem está de fora do universo dos games, pensa que a única coisa que se faz com eles é esmagar botões em um controle, ganhar do chefão e passar de fase. Bom, essa poderia muito bem ser uma verdade nos anos 80, quando os games eram bem mais simples, embora já estivessem alguns dando sinais de quererem evoluir em alguns casos; Ninja Gaiden, por exemplo, que foi um dos primeiros games da Nintendo a ter as famosas cutscenes... opa, você não sabe o que é cutscene... Google!; ou então Legend of Zelda, que construía toda uma mitologia e uma história ao redor de seu universo, mas no geral, poderiam sim argumentar com você nos anos 80 que os games eram apenas diversão esmagando botões e passando de fase, embora eu, quando criança tenha lindas e duradouras memórias das tardes a fio que eu costumava passar com meu Mega Drive ou com o Nintendo na casa dos amigos esmagando esses botões. Ah... bons tempos!
Enfim, para quem está de fora desse universo, ainda carrega consigo aquela imagem clichê do que essa arte dos games representa e nem se dá conta que os jogos já estão muito mais evoluídos e interessantes do que se pensa. Ainda se esmaga botões no controle para passar de fase? Em partes... mas eu te garanto uma coisa, meu amigo, eu trocaria muitos dos blockbusters que estreiam nos cinemas hoje em dia por um simples game bem elaborado! Com o passar do tempo, os games foram ganhando conteúdo, histórias interessantes, coisas que seriam impensáveis há décadas atrás. Até mesmo filosofia e literatura entraram para rechear mais ainda esta bela arte dos games. Eu vou voltar neste assunto daqui algum tempo.
Hoje vou apresentar a vocês um game que nunca me canso de voltar a jogar, um game que, toda vez que penso que pode ter alguém em Hollywood pensando em adaptá-lo, me dá comichão de pensar no tamanho do estrago que fariam com ele. Chama-se "Sanitarium", que em português seria sanatório, hospício, e não o que você está pensando. Este game de terror psicológico, eu me recordo de tê-lo conhecido aos 19 anos de idade, através de um CD com uma coleção de demos e, após jogar a demo deste em particular no PC antigo que eu tinha, meu primeiro computador, não conseguia tirá-lo da cabeça. Anos mais tarde eu o havia encontrado, finalmente e passaria a jogá-lo, aliás, passaria a cultuá-lo como games do mesmo gênero que eu sempre cultuei ao longo dos anos, como Full Throttle, a série Ilha dos Macacos, etc, games do estilo "point & click", daqueles que se joga com o mouse.
Nesses tipos de games, você geralmente não morria, ou se morria, não era algo como morrer em um game normal, você simplesmente ficava sem saída até achar a solução do quebra-cabeças que tinha que resolver.
Vamos à história, que é uma das mais interessantes que eu já vi. Em Sanitarium, você era um médico chamado Max Laughton que perdeu a memória em um acidente de carro.
Começa então o primeiro capítulo do game.
1. The Tower Cells
Então, do nada, Max reaparece dentro de um ambiente soturno e misterioso, um sanatório que mais parece com um calabouço, cheio de outros maníacos a seu redor e uma estátua brilhante no centro do ambiente. Para piorar, sua cabeça está toda enfaixada, o que dificulta mais ainda a vida do doutor.
Que porra é essa?? Fiquei maluco? Onde estou?? E... QUEM SOU EU??? |
Macabro e bizarro? Sente aí, caro leitor, a coisa piora muito mais! Isto é só o começo!
A estátua é a porta de saída deste ambiente macabro e inóspito. Você tinha que alcançar a torre central do lugar, mexer nos computadores para descobrir que Max, seu personagem, havia parado em uma cama de hospital antes disso tudo começar. Depois você acharia uma espécie de "chave", colocaria na estátua e... bem... ela se mexeria e falaria com você... ah, eu explicando é muito chato, veja você mesmo...
2. The Innocent Abandoned
Após deixar o local, você se encontraria em um lugar aberto, uma espécie de povoado... onde só há crianças... defeituosas... e um cemitério mais abaixo do povoado. Havia um menino com duas bocas, uma menina com pés de madeira, outra com a cara deformada, ou seja, nada era normal.
O vilarejo das crianças-plantas |
Você teria então que vasculhar as casas, jogar um jogo com a menina, achar um... ééé... cadáver... no cemitério que um dos meninos lhe disse que era o... amigo perdido dele... enfim... até que chegasse em um caminho de uma horta que você só passaria com uma senha específica.
Cuidado com os pássaros assassinos no caminho das abóboras! |
Após chegar nesse caminho você teria que evitar que corvos te arrancassem os olhos e se conseguisse, você chegaria a uma casa no fim do caminho onde conheceria uma tal de Mother, um musgo gigante que você tinha que matar para libertar as crianças, uma vez que as mesmas estavam possuídas por essa maldita planta... coisa... monstro... sei lá!
3. The Courtyard and Chapel
Ao conseguir essa façanha, mudaria novamente de local e iria para um outro hospício que tinha uma capela. Neste lugar havia algumas pessoas estranhas... bom, menos estranhas, mais como pacientes mais normais, porém, algo sempre está fora de lugar neste game. Havia um cara que calçava pantufas de urso e pensava ser Elvis Presley, outro era um velho chamado Skippy, vestindo um vestido rosa de bailarina, que falava engraçado e ria igual uma gralha, outra mulher que falava que comia pessoas e uma mulher triste e solitária em frente às portas de uma capela, a... a-hããm... "Casa de Bob". Havia também uma fonte no meio disso tudo e os médicos do lugar para quem Max tentava contar sua história maluca.
Mais um asilo cheio de malucos |
Resumindo, você teria que encher a fonte central de água. Para fazer isso teria que conseguir a "chave" de um painel elétrico que controla o fluxo da água, para conseguir a chave teria que pegá-la na Casa de Bob, para isso tinha que distrair os loucos do lugar em uma pequena sala trocando em um toca-discos os discos com músicas específicas que distrairiam os pacientes, o Elvis, o velhote, enfim. Conseguindo isso, você iria então deixar a mulher triste feliz pois seu amigo invisível havia retornado. Não tente entender! Você então olharia para a fonte e veria um gárgula falando que lhe concederia um desejo, e Max diz que gostaria de rever sua irmã.
Esta cutscene é uma das mais bacanas e tocantes do game, aprendemos um pouco sobre a infância do médico e de como ele perdeu a irmã jovem por causa do câncer. Este momento mais humanizador dos protagonistas do game viria seguido de mais loucura.
4. The Circus of Fools
Você então assume o papel de sua irmã mais nova, Sarah, e perambula através de um estranho e bizarro circo onde conhece algumas personagens que querem alguns favores e joga alguns mini-games para atingir certos objetivos. Esta é a parte mais longa e exaustiva do game, uma vez que também é subdividida em três ambientes, o circo, uma caverna e uma casa.
Um circo muito estranho |
A saída do circo vai dar em uma caverna, "The Cave", saindo dela iremos para algo bem interessante, "The Mansion", um ambiente que mais parece com uma casa mal-assombrada, que na verdade é a antiga casa de Max e sua irmã. Através desta sequência totalmente jogável, conhecemos um pouco mais sobre o passado dos personagens que termina em uma cena tocante e emocionante de despedida de Max e Sarah. Resumindo, quando criança, Max não conseguiu achar um bichinho de pelúcia de sua irmã para que ela o tivesse momentos antes de sua morte, o que faz com que Max se sinta culpado por não ter conseguido ajudá-la, culpa essa que ele carrega por sua vida e que faz com que vire médico e trabalhe em um projeto de pesquisa da cura da doença de sua irmã. Uma das sequências mais belas que eu já tive a chance de presenciar, seja em um game, um livro ou um filme, e o que é ainda mais bacana é a estilização totalmente artística do ambiente da casa, fazendo a tela parecer uma história em quadrinhos.
5. The Laboratory
Próxima parada: um laboratório. De volta como Max, você passará por um laboratório abandonado e descobrirá mais detalhes sobre o projeto em que Max estava trabalhando. Em resumo, Max e seu professor dos tempos de colégio Dr. Morgan tinham uma amizade. Max estava trabalhando no projeto que curaria a doença que acometeu sua irmã, enquanto Morgan, secretamente, sentindo-se inferiorizado, começaria a sabotar a pesquisa de Max futuramente sem que o pobre doutor soubesse.
O laboratório com mensagens escondidas |
6. The Hive
Após passar pelo laboratório, teremos mais uma mudança de ambiente. Max lia histórias em quadrinhos quando criança de um cíclope chamado Grimwall e é essa a identidade que Max irá assumir agora. Você então, como o cíclope, terá que derrotar uma conspiração de insetos dentro de uma colméia que desejam eliminar a raça cíclope e consquistar tudo. É a parte mais "HQ" do game, e por isso, uma das mais bacanas.
Grimwall: inseto bom é inseto morto! |
7. The Morgue and Cemetery
Passado o capítulo de Grimwall, você volta a ser Max e tem que perambular por um Necrotério, onde descobre que alguém queria que você estivesse morto. Resolvendo os quebra-cabeças que envolvem desde sair de uma sala congelada, examinar alguns cadáveres e achar a porta de saída deste ambiente totalmente macabro, você irá finalizar a fase em um local com mais algumas estranhezas. Hehe, só mais algumas, como se não houvesse bizarrices demais neste game!
Saindo da gaveta de um necrotério |
Ao final da fase há uma saleta com algumas inscrições antigas, uma árvore falante macabra perto de um lago e alguns objetos que você terá que manipular dentro da saleta. Resolvendo o quebra-cabeças, você irá encontrar o Dr. Morgan que escapa através de um portal e irá resolver um último puzzle para ir a uma época antiga dos deuses, sua próxima parada, assumindo assim uma última identidade.
8. The Lost Village
Sua última identidade é a do deus asteca de pedra Olmec, o guerreiro sagrado. Através desta identidade, você irá falar com alguns espíritos caídos em um vilarejo asteca, realizar algumas proezas, encontrar alguns totens e ajudar um guerreiro bruxo a fazer um sacrifício para derrotar o poderoso e maligno Quetzalcoatl.
Olmec em uma antiga vila asteca |
Feitas todas estas proezas, nos aproximamos então do final eletrizante da história. Uma cutscene mostrando um explorador investigando o templo asteca antigo que acaba em um retrato que Max tem em seu laboratório, onde Max está fazendo o teste final de sua cura. Finalizado, voltamos na cena que iniciou o game, o acidente de carro que colocou o pobre doutor na situação que ele se encontra. Nos deparamos então com uma espécie de labirinto que Olmec terá que atravessar para finalmente enfrentar Quetzalcoatl.
O poderoso Olmec indo ao encontro de seu destino |
A partir de agora, querido leitor, eu começarei a revelar o verdadeiro segredo do game. Esta parte, trata-se do clímax, da porção que revela o que representou tudo aquilo que vimos anteriormente. Se você tem interesse em jogá-lo após ter lido meu relato, não siga para as próximas linhas, pois elas contém spoilers fortes que revelarão toda a trama por trás das bizarrices que acompanhamos aqui até agora. Vou inclusive marcá-las com uma cor parecida com a do fundo da página, para que você perceba que está lendo informação indevida. Esteja a vontade para marcar o texto abaixo e lê-lo por sua conta e risco, caso seja de sua vontade, senão, pule para os parágrafos finais de meu texto.
9. The Gauntlet
De volta como Max, o doutor tem o que parece ser uma alucinação com sua mãe e sua irmã, quase acreditando que ela estivesse viva, mas vencendo a alucinação, ele descobre que tudo aquilo pela qual passou, todas as maluquices que o game mostrou não passavam de um pesadelo elaborado por uma droga que Dr. Morgan administrava em sua veia. Max então conversa com o Dr. Morgan. Durante todo esse tempo, Max na verdade se encontrava em uma cama de hospital e em seu braço, tem um veneno que está prestes a penetrar em seu sistema com o intuito de matá-lo. Ele tenta acordar, mas Dr. Morgan o mantém no sonho. Tendo se lembrado agora quem ele realmente é e, sabendo que tudo que passou nada mais era do que uma alucinação da droga, Max assume controle sobre todas as identidades que assumiu.
Com a droga quase indo para as veias, Max agora tenta acordar deste pesadelo imposto para não morrer. Nesta primeira parte, Max terá que usar todas as suas entidades para escapar, sua irmã Sarah, Grimwall e Olmec. Ele depara-se com uma pequena porção de cada mundo que visitou em seus sonhos, e terá que, resolvendo alguns quebra-cabeças, encontrar todas as partes da estátua de anjo que viu no primeiro capítulo do game.
Utilize-se de Grimwall, Sarah e Olmec para escapar deste mundo. |
Feito isso, você irá para o quebra-cabeça final, o último jogo de Dr. Morgan. Nele, você terá que pisar nos quadrados certos para liberar a saída deste sonho e finalmente se libertar.
Escape deste mundo bizarro resolvendo o último quebra-cabeça. |
Uma vez feito isso, assistimos a última das cutscenes, onde mostra Max acordando, retirando o fio condutor do veneno que está quase indo para seu braço e se salvando. Max então se vê rodeado de familiares que chegaram para ver se ele está bem. Com sua família e sanidade de volta, Max consegue prender o Dr. Morgan por seus crimes e por tentativa de assassinato. Rolam os créditos finais do game com o rádio transmitindo as notícias do que ocorreu e o game acaba.
O gran-finale do jogo é de tirar o fôlego. Os momentos finais de suspense da aventura são tensos o bastante para te manter apreensivo até os últimos minutos e o final é recompensador. Os gráficos do game são, para a época que foi desenvolvido, estonteantes e vibrantes, contendo uma variedade de cores boa o bastante para fazer a experiência visual ser interessante, mas ao mesmo tempo balanceada o bastante para não parecer galhofa. A fusão de mundos quando acontece é interessante e as reviravoltas todas são inesperadas e vibrantes.
O esquema de jogo é o mais simples que se pode imaginar. Sendo um game de PC, todas as funções dele são ativadas com o clique do mouse, unica e exclusivamente. A interface intuitiva permite que nos familiarizemos facilmente com o esquema de controle e o game, claro, possui um save feature para permitir que voltemos a qualquer parte dele a qualquer momento que quisermos.
Para os gamers que estão lendo isso, vale muito a pena procurar por esta preciosidade dos games de point & click, posso garantir a todos que terão uma experiência inesquecível e uma aventura que deixaria diretores como Tim Burton se mordendo de raiva por não terem pensado nisso antes! Eu me lembro na época que joguei este game pela segunda vez, de comentar que Tim Burton seria um cara fantástico para lidar no cinema com tanta bizarrice. Mas considerando o Burton de hoje, já não mais colocaria tanta fé assim. Talvez doidos varridos como David Lynch, mas não sei se a coisa decolaria.
A única desvantagem deste game é que, por ser mais antigo, ele não roda em uma plataforma mais atual como o Windows Vista, 7 ou 8. Eu mesmo para fazê-lo funcionar aqui tive que instalar uma máquina virtual no meu sistema com Windows XP e, dentro do XP, fazê-lo funcionar, daí consegui jogar. Fora isso, eu só tenho elogios para o game.
Enfim, eu mais do que recomendo este game para quem adora boas histórias e puzzles inteligentes que farão você passar horas e horas em frente ao PC tentando resolver. Um clássico dos games de aventura muito pouco conhecido e que mereceria ter mais visibilidade do que tem.
ATUALIZAÇÃO 15/05/2016: Recebi a feliz notícia, de que Sanitarium está sendo oferecido através da App Store, a loja da Apple; animado com a notícia, fui lá averiguar. Não poderiam ser notícias melhores, para quem quer desfrutar deste clássico dos games de point-and-click. Se você tem um iPad, poderá adquiri-lo pelo valor risível de R$ 14,10 reais. Vale muito a pena, pois os três CDs do game de PC foram portados maravilhosamente para o dispositivo, e na íntegra! Corra lá conferir!
ATUALIZAÇÃO 15/05/2016: Recebi a feliz notícia, de que Sanitarium está sendo oferecido através da App Store, a loja da Apple; animado com a notícia, fui lá averiguar. Não poderiam ser notícias melhores, para quem quer desfrutar deste clássico dos games de point-and-click. Se você tem um iPad, poderá adquiri-lo pelo valor risível de R$ 14,10 reais. Vale muito a pena, pois os três CDs do game de PC foram portados maravilhosamente para o dispositivo, e na íntegra! Corra lá conferir!
Se você é daqueles que gosta de assistir guias de jogabilidade pelo Youtube, postarei aqui embaixo um vídeo com o guia completo, caso queira assistí-lo.
Sanitarium (1998)
Nota: 10 / 10
Diretor: Martin Stoltz
Produtor: James Namestka
Elenco de vozes: Frank Schurter, Stephen Bennett, Brad Broman, Amanda Crocker, Paul Crocker, Kevin Delaney, David Fielding
Desenvolvedora: DreamForge Intertainment Inc.
Distribuidor: ASC Games
Plataforma: Microsoft Windows 98, XP, iPad
Gênero: Adventure point & click, Psychological horror
Também tinha jogado o demo nos anos 90 e vira e meche lembro dele.
ReplyDeleteHoje fui procurar pela história e me arrependo de não ter jogado na época.
Parabéns pelo post.
Conheci tb por demo nos anos 90, e joguei completo depois de velho. Vira e mexe me lembro tb e hoje achei esse post...que é de 2015! Seu comentário é de 2020 e hoje estamos em 2022. É incrível como as coisas sempre se mantem vivas de alguma forma.
DeletePois aqui é outro que o conheceu na década de 90. Lembro que joguei a demo e sempre parava em algum lugar (não me lembro onde agora). Ver qual a verdadeira história do jogo e como ele termina é excelente! A cena da morte da irmã é triste, e o final é épico!
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