Monday, January 26, 2015

NO CINEMA: Левиафан (Leviatã)

Em Leviatã, filme de produção russa que bebe muito em inspiração do romance de Thomas Hobbes, que eu ainda não li mas conheço nas entrelinhas, vale aquela máxima que Hobbes defende em sua história, que diz que "o homem é lobo do homem". Somos diretamente responsáveis por tudo aquilo de bom que nos acontece, assim como também somos responsáveis pelas coisas ruins de nossas vidas. Não por acaso, a presença no filme de um esqueleto de baleia próximo ao garoto Roma, simbolicamente ilustra uma criatura que um dia representou um certo poder sendo contemplada por uma minúscula amostra de ser humano em uma rápida passagem do filme, indicando que todo o poder que alguém deteve um dia desaparecerá. Há também o questionamento que o livro de Jó na Bíblia nos faz em relação ao mítico monstro marinho: "você consegue pescar com anzol o leviatã ou prender sua língua com uma corda?" (Jó, Cap. 41, vers. 1), desafia Deus a Jó no meio de uma tempestade.

Um casal e um homem estavam comigo no cinema assistindo ao filme. Logo que entrei, percebi o perfil de cada um.

Não é preciso ser um Sherlock Holmes para deduzir que o casal, logo na fileira da frente à que eu estava, composto de um marmanjo de boné com os pés descalços debruçados no encosto da cadeira da frente e sua acompanhante que não parava de checar mensagens no smartphone vieram ao cinema casualmente esperando se divertir com algumas possíveis explosões, efeitos especiais e tiradas engraçadas dos personagens do filme, provavelmente jamais ouviram falar de Thomas Hobbes na vida, talvez nem soubessem que o filme era russo. Na minha fileira, estava o ocupante da cadeira há cinco ou seis cadeiras da minha, já com um perfil mais adulto e possivelmente sentado para degustar a análise social que o diretor Andrey Zviaguintsev tão habilmente abordou em seu filme.

Adivinhem quem saiu do cinema no meio do filme?

Fiquei então com o meu solitário acompanhante na última fileira (que não consegui identificar de aparência devido à escuridão da sala) até o rolar dos créditos matutando sobre a inquietante e disfuncional família protagonista do filme e a discussão social a que se propunha fazer. O pai de família Nikolay que está com sua segunda esposa (a primeira morreu anos atrás), tenta convencer o filho descontente com sua madrasta, a amá-la, recorre até a conselhos do padre local (a figura religiosa e, portanto, representante da moral, da fé e dos bons costumes), enquanto que tenta, com a ajuda de Dimitri (Dima para os íntimos), um advogado de Moscow (ateu, logo, a figura racional, que só acredita em fatos, como ele bem faz questão de lembrar no filme) persuadir um prefeito corrupto da cidade que se encontra na península do Mar de Barents, no Ártico, a não desapropriar suas terras.

Nikolay portanto, faz no filme a figura do homem perdido, sem perspectiva, que bebe e vive desiludido com tudo e que se der um passo em falso, termina em desgraça. É como o anjo e o demônio, um de cada lado orientando o pobre homem para diferentes direções.

Os atores estão incríveis em seus papéis, a fotografia com os tons de azul seco do filme denotam toda a frieza de uma sociedade corrupta, perdida em suas leis e regras, enquanto que o embate silencioso entre crença e razão, bem e mal vai se desenrolando no decorrer dos 140 minutos de filme, que já em sua primeiras cenas, nos deixa com a sensação de total e completo isolamento em suas panorâmicas da península, talvez indicando que aquelas pessoas possam estar à margem de qualquer calor humano, presas em suas ilhas pessoais.

No final, fica a pergunta para a audiência que permaneceu na discussão até os últimos minutos: "você consegue pescar com anzol o leviatã ou prender sua língua com uma corda?" Em outras palavras, somos donos de nossos destinos? Somos governados por forças maiores do universo que já planejaram tudo para nós? Conseguiríamos enfrentar um maremoto cheio de monstros medonhos apenas com a nossa fé e vontade? Ou nos afogaríamos no líquido agridoce da derrota? Assista o Leviatã e descubra-se.

Левиафан (2014)
Título em português BR:
Leviatã
Nota: 10 / 10

Direção: Andrey Zvyagintsev.
Produção: Sergey Melkumov, Alexander Rodnyansky.
Roteiro: Oleg Negin, Andrey Zvyagintsev.
Trilha sonora: Philip Glass

Estrelando: Elena Lyadova, Aleksey Serebryakov, Vladimir Vdovichenkov, Roman Madyanov,
Sergey Pokhodaev.

Trailer:


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