Acabei de ler um quadrinho simplesmente maravilhoso! Este tipo de história é algo que eu achava que jamais iria ver sair aqui no Brasil feito por mãos de brasileiros. Vejam só que fantástico: Maurício de Souza, o criador da Turma da Mônica, essa mesmo, a que eu e você lia nas bancas quando era moleque, ganha aqui através do selo Graphic MSP uma completa reimaginação com os personagens de Maurício estrelando graphic novels belíssimas e extremamente bem roteirizadas. Já faz bastante tempo que eu fiquei sabendo dessas reimaginações, mas não sabia direito do que realmente se tratavam. Quem leu revistas da turma quando era garoto tem aquela visão nostálgica de como os personagens eram, do tipo de interações e situações que iriam encontrar nas HQs. Eu havia parado de ler HQs dos personagens do Maurício já faz muitos anos. Quando saiu a linha da Turma da Mônica Jovem então eu me convenci de que jamais iria voltar a ler, até mesmo porque eu simplesmente não era o público alvo dessa linha.
Passei a ler freneticamente nos meus 12 anos, revistas de super-heróis, revistas de Street Fighter e Mortal Kombat, entre outras coisas. Portanto faz muitos anos que eu sequer pego uma revista desses personagens da turma para ler, até mesmo da linha clássica com os visuais vintage. Foi então que fiquei sabendo de um trabalho que reimaginava o universo todo de Maurício de Souza, mas por algum tempo nem mesmo fui atrás. Aí um belo dia eu simplesmente parei nas livrarias e vi uma graphic novel do Astronauta chamada "Magnetar", plastificada na prateleira. Curioso e fã de ficção-científica que sou, fiquei interessado em ler, mas acabei não comprando, porém alguma semente de interesse em relação a essa linha de graphic novels acabou sendo plantada dentro de mim.
Recentemente eu acabei cedendo à curiosidade e comprando a graphic novel "Singularidade", também do Astronauta. Quando eu abri a HQ, me espantei com o trabalho! Que fantástico! Que tratamento! Muito além do que eu esperava! Animado, há poucos dias atrás eu estava de volta nas livrarias quando vi algumas graphics enfileiradas e fui vendo algumas, entre elas do Penadinho e do Piteco. Mas entre essas daí, acabei escolhendo essa do Bidu para folhear, após checar a sinopse da capa de trás de todas as graphics. E o resultado é sensacional!
A história gira em torno de como as histórias do pequeno Franjinha e do cachorro Bidu se entrelaçaram, como foi o primeiro encontro dos dois. Recebendo o belíssimo nome de "Caminhos", a graphic novel mostra uma história mundana, mas contada com perfeição sobre um cachorro que deseja se encontrar, encontrar seu lugar no mundo, entre seus altos e baixos. Eu vou até passar a fala e deixar o próprio Bidu apresentar a coisa toda:
"O que eu vou contar é uma história comum...
... Dessas em que algumas coisas dão certo...
... E outras dão errado.
Mas é a melhor que eu tenho.
É a história de como conheci o meu melhor amigo."
A narrativa pra começar (a pouca narrativa que permeia a história quase muda) é sublime, cheia de graça, sentimento e emoções valiosas. Como o próprio cão azul disse, é uma história comum, e por isso facilmente identificável com a gente. Nela, tanto Franjinha quanto o cãozinho se sentem perdidos, buscando alguma coisa, sem saber exatamente o que é de fato ou como alcançar. Aqui na história, o cão, ainda sem nome, conhece seus amigos das histórias clássicas que conhecemos, Bugu, Duque e Rúfius, e juntos eles participam da jornada de Bidu. Há vários momentos da história que remete às clássicas HQs de Maurício, como a cena em que Bidu fala com a pedra, ou então seu espírito sempre curioso e aventureiro que permeia toda a trama. Tem até uma rápida participação especial de parte da turma, com Jeremias e Franjinha fugindo de uma certa "baixinha, dentuça e gorducha" que se acha a dona da rua! Ah, e que também carrega um pequeno coelho azul! Mas é algo rápido, só para nos mostrar que aquilo também está naquele mundo.
Os diálogos da graphic novel são de uma beleza plástica sem igual. Aliás, não são exatamente texto, por parte dos cachorros. Ao invés das tradicionais falas dos balões, o que vemos são figuras que representam aquilo que um animal está falando para outro, e assim, passamos a compreender os discursos e a personalidade de cada personagem animal de forma extremamente visual e imagética, impondo um conceito todo filosófico e cheio de simbolismos nas interações dos personagens.
As onomatopeias também são trabalhadas de forma fantástica. Se a água espirra, o texto faz a direção de onde espirrou, se o animal pisa na água, vemos o "splash" dentro da água e tomando sua forma, se algo bate, vemos o texto de forma inteiramente visual também batendo em algo ou alguém.
Um grande destaque é para a motivação de personagens como o Bugu ou Duque, que junto a Bidu, pretendiam apenas subir em um carro detonado para serem os "reis". Quando Bidu vê que não havia propósito nessa empreitada, percebe que, mais do que "estar por cima" de algo, é necessário que tenhamos alguém do nosso lado para compartilhar de nossas alegrias, nossas tristezas e aventuras para que a vida deixe de ser "de cachorro" e passe a ter mais sentido para nós.
E assim, entre caminhos tortos e acertados, Bidu vai traçando sua trajetória. As situações em que se mete, por vezes engraçadas e por vezes catárticas, todas tem um sentido maior no conto, e servem para também nos levar com os personagens a esse "road tale" (conto de estrada) até um destino que foi traçado a eles. Sabemos, claro, que Bidu e Franjinha irão se encontrar no final, mas o que vale na história de Eduardo Damasceno (roteiro) e Luís Felipe Garrocho (roteiro e desenhos) é a jornada, é o caminho feito até esse fim, até essa linha de chegada.
Os desenhos de Garrocho são um show à parte, lindos, a arte e os traços são impecáveis, Damasceno compõe uma trama que te prende a atenção, e mesmo não tendo muitos diálogos, é forte e catártica o suficiente para manter seus olhos presos a cada ilustração, a cada quadro e a cada detalhe da história, fazendo você às vezes até voltar as páginas para recuperar algo que você deixou passar lá atrás. Quem ainda ama cães como eu amo, quem sente um carinho enorme por esses bichinhos que estão sempre do nosso lado e nunca pedem coisa alguma em troca, também vai se emocionar, assim como eu me emocionei com a jornada do pequeno e sabido cãozinho azul.
Enfim, uma HQ sensacional de uma série que vem se destacando muito com o apoio do próprio criador Maurício de Souza que tem dado todo o apoio aos escritores que estão reimaginando seus personagens, inclusive, o Maurício escreve o prefácio de cada graphic novel lançada elogiando o trabalho desses escritores, enfim, uma leitura que eu recomendo altamente! E já estou ansiosíssimo para poder checar o que foi que os autores fizeram com personagens como o Piteco, o Penadinho e o Louco, são os próximos que estou planejando conferir. Vão atrás dessas graphic novels e surpreendam-se com o trabalho dos escritores, comprem e valorizem os artistas brasileiros de HQs! Eles merecem!
Bidu - Caminhos (2015)
Nº de edições: 1
Nota: 10 / 10
Editora: Maurício de Souza Editora
Formato: Graphic Novel
Roteiro: Eduardo Damasceno, Luís Felipe Garrocho
Desenhista: Luís Felipe Garrocho
Editores: Emerson Agune, Levi Trindade
Outras graphic novels desta série:
Editora: Maurício de Souza Editora
Formato: Graphic Novel
Roteiro: Eduardo Damasceno, Luís Felipe Garrocho
Desenhista: Luís Felipe Garrocho
Editores: Emerson Agune, Levi Trindade
Outras graphic novels desta série:
Fase 2:
- Louco: Fuga (2015)
- Turma da Mata: Muralha (2015)
- Turma da Mônica: Lições (2015)
- Penadinho: Vida (2015)
- Astronauta: Singularidade (2014)
- Bidu: Caminhos (2014)
Fase 1:
- Piteco: Ingá (2013)
- Chico Bento: Pavor Espaciar (2013)
- Turma da Mônica: Laços (2013)
- Astronauta: Magnetar (2012)
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