Este filme é um daqueles que vai te fascinar primeiro; depois, vai te colocar em uma arapuca, questionando sua própria fascinação, e finalmente vai te chocar de uma forma tamanha, que toda a sua fascinação inicial, apesar de ainda estar lá, vai se tornar uma coisa cinza borrada, e não importa quantas vezes você diga pra si mesmo que acha que sabia que direção o filme iria tomar, sempre vai ter aquela vozinha em seu inconsciente dizendo que talvez, você não tenha sido tão esperto quanto pensou que foi.
Bom, foi assim que eu me senti durante o filme todo, sem rumo definido. Na verdade eu nem mesmo sabia o que esperar, o que só contribuiu para a experiência, ligar o filme no escuro, sem saber o que vai ter na sua frente, sem ter visto trailer, nada. E o fato de os atores não serem conhecidos também foi ótimo, porque faz com que você se concentre mais nos personagens.
O termo escolhido para dar título ao filme, vem da expressão do latim, "deus ex machina", que significa algo inesperado acontecer que provoca a salvação de alguém em uma situação extremamente difícil. No original grego, temos a expressão "apò mēkhanês theós", que seria "Deus surgido da máquina", causando um efeito de sentido semelhante. Mas o título do filme, pega simplesmente os dois últimos termos da expressão, nos forçando a ver uma espécie de brincadeira de sentido com o fato de uma coisa não ser mais uma máquina, como se pronunciássemos, ex-máquina.
Interessante, não? Mas esta redução tem sentido absoluto no filme. Aliás, não se deixe ludibriar pela tradução tosca e ridícula do título do filme em português, que parece título de filme de Sessão da Tarde.
A trama é a seguinte: um cara chamado Caleb (Domhnall Gleeson) é selecionado para ir para um complexo científico isolado, onde mora um barbudão chamado Nathan (Oscar Isaac, o Poe Dameron de The Force Awakens) e uma androide criada por Nathan chamada Ava (Alicia Vikander). Caleb é selecionado para avaliar Ava e dizer a Nathan se ela é aprovada ou não no teste de Turing, que examina a inteligência artificial do robô.
O teste garantirá que Nathan siga em frente com seu projeto, melhorando ainda mais o que Caleb consideraria errado em Ava. Mas um dos efeitos colaterais do teste, era que o androide poderia se parecer tanto com um ser humano, que o avaliador não veria mais a linha entre simulação e originalidade, fazendo com que ele corresse o risco de se apegar à Ava.
Quando se conhece a androide, o fascínio está todo lá. Ficamos fascinados com seu comportamento quase humano, sua interação com Caleb em cada sessão de avaliação. O mesmo acontece com o garoto, que leva a sério a pesquisa, apesar de achar que Nathan está escondendo alguma coisa, ou tem alguma carta na manga para ludibriar Caleb e fazer com que o resultado seja alguma manipulação emocional, tornando os papéis de Caleb e Ava, opostos.
E é a partir destes questionamentos que a trama vai ficando mais interessante e imprevisível a cada momento; aliás, Ava, a androide é que vai ficando mais imprevisível a cada sessão.
Algumas dicas textuais, como o mito de Prometeu, ou então a dinâmica racional do Capitão Kirk em Star Trek são dadas a nós, inclusive com citações de outras fontes, como a frase do criador da bomba atômica que premedita uma determinada situação no terceiro ato do filme.
Uma das referências mais interessantes que achei, foi a referência do desenho sem forma, a ideia de Nathan em implantar, em uma mesma inteligência atuante, a ideia do caos, da desordem em contraste com a ideia da ordem. Segundo o pai de Ava, é o que dá à robô, o comportamento quase humano que ela apresenta, porque no fim das contas, a mente humana é exatamente isso, um eterno embate entre forças opostas.
Isso sem falar a atitude completamente descompromissada de Nathan, pedindo para que Caleb não fosse acadêmico demais e procurasse ser o mais casual possível. Todas estas situações são incutidas em nossas mentes, de forma que não dá para se saber ao certo, quem está falando a verdade.
A situação chega ao extremo de o próprio Caleb questionar a sua própria existência. A cena, por exemplo em que o garoto se corta o braço com uma gilete para ter certeza de que é humano não só é chocante, mas também a chave do enigma que leva ao desfecho da trajetória dos personagens. Há toda uma sensação claustrofóbica naquele lugar, inclusive nas comparações em uma das sessões do experimento das cores.
O grande questionamento do ser humano, na era tecnológica, ganha contornos fortes aqui: penso, logo existo? Ou existo muito antes de pensar? E quanto a uma inteligência artificial, criada através de programação? Será que deletar arquivos e memórias é o mesmo que matá-la? Assim, como se mata um ser humano de carne e osso? As ações semi-humanas de Ava justificam sua existência? Até quando uma mente artificial continua sendo apenas um computador robusto? Faz sentido se apegar em um objeto, uma máquina, um ser criado por mão humanas, se esta demonstrar características humanas? E nós, humanos? Será que nós também não fomos programados de alguma forma? O que faz de nós humanos, afinal?
E finalmente, a pergunta que tanto nós, humanos, quanto a robô do filme, nos fazemos todos os dias para os nossos respectivos "deuses": O QUE VAI ME ACONTECER SE EU FALHAR EM SEU TESTE?
E finalmente, a pergunta que tanto nós, humanos, quanto a robô do filme, nos fazemos todos os dias para os nossos respectivos "deuses": O QUE VAI ME ACONTECER SE EU FALHAR EM SEU TESTE?
Em meio a tudo isto, a tênue linha entre o certo e o errado desaparece, e o desfecho completamente chocante e aterrador desta ficção-científica macabra e angustiante nos põe para pensar se a humanidade não foi longe demais com esta história de inteligência artificial. Garanto a você que, o filme irá te confundir, te ludibriar, por vezes, parecer bem intencionado; mas eu te garanto: a sensação de desconforto após os créditos rolarem será tão grande, que não te deixarão dormir sossegado.
Este filme, poderia muito bem ser um prelúdio para Blade Runner, pois o filme clássico de Ridley Scott segue de premissas bastante semelhantes. Mas no fim das contas, eu penso que você mesmo pode conferir este sensacional filme e tirar as próprias conclusões. Altamente recomendado!
Ex Machina (2015)
Título em português BR: Ex-Machina: Instinto Artificial
Direção: Alex Garland
Produção: Andrew Macdonald, Allon Reich
Roteiro: Alex Garland
Trilha sonora: Geoff Barrow, Ben Salisbury
Estrelando: Domhnall Gleeson, Corey Johnson, Oscar Isaac, Alicia Vikander, Sonoya Mizuno, Claire Selby, Symara A. Templeman, Gana Bayarsaikhan, Tiffany Pisani, Elina Alminas, Chelsea Li, Ramzan Miah, Caitlin Morton, Deborah Rosan, Johanna Thea, Evie Wray
Trailer:
muito bom esse filme, ele deixa dicas subtendidas a todo tempo.
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