Wednesday, November 15, 2017

HQ: Batman: The Long Halloween (Batman: O Longo Dia Das Bruxas)

Nota: 10 / 10

Hora da nostalgia. Pessoalmente, como leitor de HQs desde meus tempos de moleque, eu sempre enxerguei os quadrinhos como a última e verdadeira forma de escapismo. O estilo exagerado da mídia e as histórias que sempre se baseavam em elementos da literatura pulp fiction em seu início, e, de repente, começando a ganhar os contornos da ficção-científica, saturavam a nossa cabeça com situações das mais variadas.

No entanto, ao adentrar os anos 80, a mídia começou a ganhar um tratamento muito mais sério do que jamais havia ganhado antes. E nos anos 90, esse tratamento mais sério frutificou no fato de as HQs ganharem um tom mais cru e realista que nem mesmo na era dourada das HQs poderíamos achar algo para servir de comparação. Foi então que em 1996, um cara chamado Jeph Loeb resolveu ousar de verdade.

Neste artigo, vamos analisar uma das graphic novels mais importantes que já foram escritas do morcego, The Long Halloween, que ficou conhecida por aqui como O Longo Dia Das Bruxas; e também uma das mais longas que eu já li, com suas 376 páginas. Esta história, ganhou notoriedade por ser um dos contos mais realistas do Batman e também pelo seu tratamento diferenciado aos gângsteres. E numa opinião pessoal, este é o melhor e mais importante trabalho da carreira do escritor Jeph Loeb também.

Não que este tratamento já não vinha sendo trabalhado antes, há diversas e diversas histórias escritas nos anos 70, e que inspiraram muitos e muitos episódios da série televisiva Batman: The Animated Series, episódios esses que são povoados de gângsteres durante toda a série. Eu fiz um artigo inteiro falando desta espetacular série animada no especial do Batman que fiz em 2015, entre e confira.

No entanto, o tratamento dado aos mafiosos nesta minissérie em 13 edições escrita por Jeph Loeb e magistralmente desenhada pelo ilustrador Tim Sale subiu a coisa de nível em termos que nem me atrevo calcular. E por essa HQ ter sido feita bem depois de Batman TAS ter estourado como um grande sucesso, isso é dizer muita coisa. Se antes tínhamos histórias curtas, pequenos contos que apresentavam mafiosos, ou mesmo alguns arcos, agora temos um épico de crime inteiro sobre eles, como bem descreve Christopher Nolan na edição definitiva do encadernado. Sim, é sensacional assim mesmo!

Inclusive, se você ler The Long Halloween e depois assistir o filme The Dark Knight, conseguirá enxergar com clareza e objetividade as referências à HQ por trás do roteiro do filme de Nolan; enxergará tudo, as tomadas, as viradas de narrativa, o confronto entre gangues pelo controle da cidade, as referências claras e óbvias à três personagens principais da narrativa, enfim, verá como esta minissérie foi importante no processo de criação do filme.

Vamos então papear sobre esta magnífica história de crime, mistério e suspense, que Loeb e Sale magistralmente construíram e imprimiram em quadrinho.

A narrativa é fragmentada em 13 pequenos arcos de história que juntos, formam um ano inteiro na vida dos personagens; em outras palavras, Jeph Loeb aqui trabalha com a ideia do círculo. Explico: a história se inicia no Halloween em Gotham, e termina na véspera de Natal do ano seguinte. Ela se passa em todos os feriados existentes, então temos ela começando em um ponto específico, o Halloween, onde acontece uma festa que foi organizada pelo mafioso galante Carmine Falcone; reparem que as ilustrações mostram a figura do Jack Lantern, a famosa abóbora com face; aí a trama se conclui no Halloween do ano seguinte, com a abóbora tendo um dos lados da face deteriorado, e tem alguns epílogos no dia de Ação de Graças e na citada véspera de Natal.

O cheiro de história de máfia na trama é tão forte, que a narrativa até abre com um sóbrio Bruce Wayne, exatamente como no filme The Godfather (O Poderoso Chefão), de 1972, dizendo "Eu acredito em Gotham City". Lembram que no começo do filme estrelando Marlon Brando e Al Pacino tinha Bonasera falando com Don Vito, dizendo "I believe in America" e pedindo por justiça? Mesmo enquadramento, mesma escuridão, pode comparar. A diferença é que na HQ, Wayne é a justiça e Falcone é somente o mafioso. É lindo, tanto em termos de narrativa, quanto em termos de referência. E sempre que eu releio essa história, as primeiras vozes que me vêm à cabeça são a de Bonasera e Don Vito. Espetacular!

A partir daí, você já deve imaginar de onde veio o famoso "eu acredito em Harvey Dent", referenciado no filme de Nolan. O recurso inclusive é usado aqui na forma de um texto prosaico em off, tendo trechos do capítulo um, por exemplo, onde vemos se repetir a fala: "eu acredito em Jim Gordon... eu acredito em Harvey Dent... eu acredito em Gotham City". trata-se da conclusão do capítulo, onde tivemos o prazer de ver um plano de intimidação ser sabotado pelo morcego, enquanto pilhas de dinheiro queimam em um depósito. Lembra mais alguma coisa no filme de Nolan, não é? Pois é! Podemos considerar The Dark Knight como uma espécie de trama fortemente sugerida por esta HQ! The Dark Knight é um filme que possui muitos elementos de The Long Halloween, mas continua sendo uma trama original do Batman.

Pois bem, esta é somente a apresentação; rola na mesma parte um encontro entre Batman e a Mulher-Gato, e o início do envolvimento de Gordon e Harvey Dent com o morcego, formando a tríade que tinha como propósito limpar Gotham da criminalidade e da loucura. A história mal começou e nesta primeira parte já tem dinheiro queimando. Vá pegando as referências usadas nos filmes mais recentes!

Enfim, depois disso, segue a narrativa com a segunda parte, sobre o Dia de Ação de Graças, contando com Solomon Grundy na ilustração de abertura. Aqui você tem o pouco que a história dedicou ao sobrenatural, porque ela é muito calcada no mundo real, privilegiando os gângsteres e mafiosos, apesar de conter os loucos que você conhece.

Na terceira parte, somos confrontados com o Coringa e o assassino Julian Day, o Homem-Calendário. É a hora que começamos a levantar fortes suspeitas em relação a quem pode ser o assassino que atende pela alcunha de Feriado, e que faz vítimas em todos eles, sem exceção. Mas eu, como já li muitas histórias de detetive, não fui levado pelo óbvio. Julian Day seria o primeiro nome que viria na cabeça de qualquer pessoa. Não é ele. O final da terceira parte nos deixa com a pista do Coringa. Mas isso é ridículo! O Coringa não tem um método, Feriado sim. Se você foi desatento a ponto de pensar que o palhaço teria algo a ver com isso, precisa urgentemente ler mais histórias policiais. Seria também muito grosseiro para um roteiro desses. A quarta parte também insiste no Coringa, mas isso é um truque do bem amarrado roteiro para nos levar à conclusão errada, sem falar que essa suspeita é desmentida já no final desta parte.

No dia dos Namorados, quinta parte, acompanhamos a caçada à Falcone, Maroni, e as tramoias de Selina, a Mulher-Gato. Novamente Feriado faz mais vítimas. Sexta parte, Selina ataca novamente, e testemunhamos Hera Venenosa e as mafiosas Carla Viti e Sofia Falcone Gigante, duas cascas-grossas que atendem os interesses de suas respectivas famílias; aliás, a Hera está exageradamente plantosa, o visual dela é tão exagerado quanto o queixo pontudo e os mil dentes do Coringa, o que confere à série um aspecto de produção expressionista por vezes. No primeiro de Abril, o Charada ataca. Nas partes seguintes, outros criminosos mostram as caras, como o Espantalho em sua clássica cena montado em um cavalo, reproduzida por Nolan no filme Batman Begins; e mais delitos são cometidos, sempre terminando com alguma morte perpetrada pelo assassino Feriado.

Ok, talvez esta seja uma boa hora para revelar que esta história e Christopher Nolan estão intimamente ligados ainda pelo fato de ser a história favorita de Nolan. Não é a toa que vemos o diretor dedicar um editorial inteiro com o roteirista David Goyer na chamada Edição Definitiva de The Long Halloween. Também não é a toa que temos aqui um dos vilões mais bacanas já criados recentemente para o morcego, o assassino Feriado.

Mas o personagem da história que se tornará a motivação principal de sua existência ainda vai aparecer. Em diversos momentos, acompanhamos James Gordon e Harvey Dent em suas vidas atribuladas, como no caso do promotor público, que faz sempre de tudo para honrar seus compromissos tanto em sua vida profissional, quanto com sua mulher Gilda; Gordon, por sua vez, não somente luta para se fazer cumprir a lei na cidade, mas também para manter seu casamento. O promotor Harvey Dent enfrenta uma alta carga de pressão, mapeia redes de criminosos em Gotham e em outras cidades, para traçar o perfil das famílias e os possíveis envolvidos em crimes, delineando todas as famílias de mafiosos, suas conexões, rivais, e as características individuais de cada um, na esperança de encontrar o criminoso Feriado.

Lá pelo capítulo 9, Harvey já vai se desgastando e exibindo aqueles traços macabros que nos levam a sua persona futura, o Duas-Caras. O lance da moeda, por exemplo, fantasticamente ilustrado, com Harvey na escuridão, lançando a moeda, enquanto Gilda observa. Ele fala sobre Bruce Wayne, e sobre como ele pensou a princípio que Wayne tivesse qualquer vínculo, qualquer relação com Falcone, muito em decorrência do que foi mostrado no início da história. Ao mesmo tempo, Wayne se lamenta por seu pai Thomas ter sido demasiadamente humanista a ponto de salvar a vida do mafioso Romano, rival de Maroni, o que lhe acarretou muitos problemas futuros.

Então Harvey vai revelando seu lado negro. Aquele comportamento mais agressivo, de uma mente perturbada e assombrada pelo próprio trabalho. Isso vai sendo levado até o dia fatídico no tribunal, em que Harvey interroga Maroni. Quem conhece a história, sabe o que vem a partir de então. O ácido. Harvey, estirado no chão; perdendo seu senso de moral; perdendo sua humanidade... até se reduzir ao nível de uma criatura como Solomon Grundy. Nervosa, primitiva, e que virou suas costas para tudo aquilo que nos faz uma sociedade. Eis o ardil da trama. Como um homem, potencialmente um cavaleiro branco, alguém disposto a livrar uma cidade da corrupção, perde-se na escuridão de sua própria mente, e se torna justamente a antítese daquilo que era, vira justamente o que combatia. Sim, você viu este filme, eu sei. Novamente, The Dark Knight. Christopher Nolan, ao jeito dele, pegou The Long Halloween, e reimaginou a história a seu jeito. A diferença é que aqui não é o Coringa o responsável pela transformação de Dent.

Gordon, por sua vez, vai vendo seu casamento e sua vida também passando por tremores. Feriado é tão astuto, que não importa quantos organogramas e mapeamentos de famílias mafiosas Gordon e Dent elaborem, pois o assassino age nas sombras. As dificuldades em trazê-lo à justiça chegam ao limite de fazer com que Gordon perca momentos de sua vida e passe noites em claro tentando localizar o assassino.

Até o fim da história, você verá pelo menos três coisas interessantes: o reencontro da trindade Batman-Gordon-Dent, desta vez desfigurada (coisa que acontece no final do filme de Nolan também, sob outra perspectiva), Julian Day encontrando o assassino Feriado, que estava mais perto dos gângsteres do que poderíamos imaginar, e também, uma fantástica revelação sobre Gilda, a esposa de Dent.

É uma história magnífica, cheia de reviravoltas, uma arte gráfica invejável e maravilhosa desenvolvida por Tim Sale. Eu ouso dizer aqui que ela está entre as minhas cinco histórias favoritas do Batman, até mesmo porque eu gosto muito mais daquelas histórias dele que tem uma atmosfera, um elenco de personagens, e uma trama mais próxima da realidade. Acho bacana as histórias do morcego que envolvem elementos fantásticos, e tal, mas prefiro as tramas mais calcadas na realidade, com vilões mais de carne e osso; o que me fascina no personagem é justamente a ideia de que ele é um dos poucos heróis de quadrinhos que poderia realmente existir, por isso gosto muito mais quando ele enfrenta vilões menos fantasiosos; especialmente os gângsteres!

Ah, os gângsteres! Eles estão impregnados no nosso imaginário, no universo das histórias policiais. Ver gângsteres, aquele universo mais policial, detetivesco, aquela atmosfera mais carregada e crua, suja, de filme noir, são essas as características que mais me fascinam e mais me atraem para o mundo do Batman. Eu sinto falta de ler mais histórias assim do personagem.

E é justamente essa a razão que embeleza a trama desta graphic novel. Pouco a pouco, você vai vendo a família Falcone sendo aniquilada. Impérios de mafiosos ruindo frente as investidas do morcego e da lei, Feriado aniquilando alvos precisos, em maravilhosas tomadas em preto e branco, daquelas que remontam à lindas produções noir antigas dos cinemas da clássica Hollywood. Não surpreende nem um pouco, portanto, que uma trama destas evoque a referência suprema de Coppola, e seu The Godfather.

Eu não só recomendo altamente que todos leiam esta magnífica história, esta epopéia criminal extremamente bem costurada por Jeph Loeb, como também gostaria muito de ver ela virar uma adaptação animada pela equipe de animação da DC... em duas partes! Sim, como fizeram com a adaptação de The Dark Knight Returns. Há muita coisa para ser trabalhada e que não comporta em apenas uma animação de uma hora e quinze minutos.

Enquanto isso não acontece, leiam esta HQ sensacional. Eu acredito que você não vai se decepcionar. Trata-se de uma história seminal, e uma trama clássica da segunda metade dos anos 90. Batman nas HQs estava em uma fase não muito boa neste período; histórias mais ou menos, arcos não muito marcantes; por exemplo, em Batman #537, de Dezembro de 1996, mesmo mês que a primeira edição desta minissérie, Batman estava enfrentando o Morcego-Humano no arco Pursuit, escrita pelo mediano roteirista Doug Moench, portanto The Long Halloween foi um grande respiro de ar fresco para as revistas do morcego.

Atreva-se a entrar em um Halloween que você jamais vai esquecer! O Longo Halloween. Uma das caçadas mais brutais que já houve nas tramas do Batman, e também uma das mais sanguinárias. Eu acredito em você, leitor! Não perca a chance de ler uma história verdadeiramente marcante do morcego.


Batman: The Long Halloween (Dezembro/1996 - Outubro/1997)
Título em português BR: Batman: O Longo Dia Das Bruxas
Categoria: Minissérie em 13 edições

Editora: DC Comics
Formato: Graphic Novel
Roteiro: Jeph Loeb
Desenhos: Tim Sale
Colorista: Gregory Wright
Letristas: Richard Starkings, Comicraft
Editores: Archie Goodwin, Chuck Kim

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