Friday, April 8, 2016

MATÉRIA: Uma análise da odisseia espacial - Parte 1 / 5: The Dawn of Man

Ok, daremos início aqui à análise do filme 2001: A Space Odyssey, como eu propus na resenha dele, para termos uma visão mais ampla e detalhada sobre as ideias deste maravilhoso filme do senhor Stanley Kubrick. Esta será a parte 1 da análise, onde eu vou apresentar os conceitos e falar do primeiro fragmento do filme, que Kubrick tomou a liberdade de chamar de The Dawn of Man, que quer dizer O Despertar do Homem, e acredite, esta parte é primordial para se entender o restante, muito do que vem depois é fruto do que veremos aqui.

< Resenha                     Parte 2 >

CAP 1. THE DAWN OF MAN

Kubrick quis elaborar sua obra de ficção-científica existencialista estruturada como os filmes épicos clássicos. Ele já havia feito Spartacus há alguns anos, e estava familiarizado com o formato. Se você já assistiu algum desses filmes, como The Ten Commandments, Cleopatra, Spartacus, Ben Hur, etc, sabe do que estou falando; temos o Prelúdio, o Intermezzo, e o Furioso, algo que nada mais corresponde à estrutura de uma ópera. Considere The Dawn of Man, portanto, como a primeira parte do prelúdio do filme.

Assim que a projeção começa, vemos a vista da Terra, se sobrepondo à vista do sol e o famoso tema musical "Also Sprach Zarathustra", composto por Strauss. Este tema é tocado toda vez que um acontecimento chave está para acontecer no filme. São três as vezes em que o tema aparece. A primeira é aqui, na abertura. O começo de tudo. Aliás, literalmente, estamos diante do início da humanidade.

Preste muita atenção nos terrenos que Kubrick filma. Parece algo a toa, mas não é. A rima visual aparecerá mais a frente. Muito bem, temos o ambiente onde esta parte do filme se passa.



Em que época estamos?

Pré-história.




O homem, ainda um macaco, o Australopithecus afarensis, segundo as minhas pesquisas, vive neste ambiente com os outros animais. São os nossos ancestrais. E como eles são? Vamos listar as características deles aqui:

- Medrosos;
- Guiados pelo instinto de sobrevivência;
- Irracionais;
- Desprovidos de qualquer senso crítico;
- Incapazes de raciocinar;
- Curiosos.

Ou seja: o homem primata se mistura às outras variedades de animais; ele não é muito diferente de qualquer outro animal que povoa a Terra. Eles vivem em cavernas. Aqui já penso no mito platônico da caverna. O homem, vivendo na própria escuridão de sua ignorância, podendo ver fachos de luzes, mas incapaz de entender algo ou sequer saber o que acontece do lado de fora de sua escuridão. O homem nada mais é do que isso: uma espécie que estaria destinada à seleção natural, como qualquer outra, e teria talvez sido extinta, não fosse por algo fantástico que lhe aconteceu. Chegaremos lá daqui a pouco.

Vemos portanto a rotina desses macacos. Em certo momento, estamos diante de macacos em um pequeno lago. Um deles está bebendo a água do lago. Este lago é importantíssimo! Preste bastante atenção: enquanto um macaco bebe a água, outro vem para também usufruir do recurso natural; só que o macaco que estava lá primeiro espanta o que veio depois.

Como se chama isso? Se chama DISPUTA DE TERRITÓRIO.

Um dos grupos de macacos invadiram o lago  e demarcaram que aquele seria seu território, e que qualquer outro que o trespassasse, estaria colocando a existência do grupo em risco. Muito bem, dessa vez, o macaco mais forte venceu. Dia passa, noite passa, e nossos ancestrais continuam na mesma, até que algo muito, mas muito curioso mesmo acontece. Kubrick não nos explica como este evento aconteceu, mas ele passa a se tornar a peça que guiaria as ações do homem a partir daquele momento.



Um grande e misterioso objeto aparece diante destes macacos. Trata-se de um monolito enorme. Algo, ou alguém colocou aquela pedra de granito ali.

Independente da visão de mundo que você tenha, essa pedra, esse monolito simboliza algo muito maior. Ela se trata de um desafio ao homem. Um enigma a ser decifrado. Esta pedra aparece, e chama a atenção da macacada, que assustada e com muito medo, começa a berrar. Este se trata do primeiro encontro do homem com o monolito. E a pedra permanece por lá, como se dissesse ao homem "decifra-me", "decifra-me". Mas o homem não é capaz disso ainda. Ele simplesmente olha assustado para a pedra e a toca.

Prestem atenção no coro de vozes que se levanta ao aparecer da pedra. Ele vai ficando mais forte a cada momento, não vai? Praticamente ensurdecedor. Este coro de vozes se trata da dúvida humana. É o homem tentando decifrar o enigma; tentando adentrar a escuridão do desconhecido. O monolito continua em sua posição estoica, dizendo "decifra-me!" Não conseguindo decifrar o enigma, o coro de vozes cessa. O homem ainda não está pronto. Apenas seu primeiro contato com o que quer que seja, foi estabelecido. O monolito então se sobrepõe ao sol, igual a cena inicial do filme, em que a Terra realiza o mesmo movimento; a rima visual que diz a nós que a existência do homem neste mundo está intrinsecamente ligada à algo muito maior.

Mas e aí? Foi tempo perdido então?

NÃO!

Após este evento, vemos uma cena estranha. Um dos macacos acaba pegando um pedaço de osso. Ele acidentalmente bate este osso contra um esqueleto morto no chão, e percebe que os pedaços do esqueleto se dividem. Intrigado, ele repete a ação, várias vezes.

Consegue entender o que isso representa? Pois trata-se do primeiro cientista da história da humanidade. O primeiro encontro do homem com o seu enigma maior, o monolito, desperta finalmente a consciência do homem, separando-o para sempre das outras espécies de animais. O homem agora tem a capacidade de pensar, de raciocinar. E com esta capacidade, o macaco, que a partir deste momento, chamarei de "macaco primordial", festeja sua descoberta:

A FERRAMENTA!

Rola o tema de Strauss enquanto o macaco primordial esmigalha o esqueleto, pois este momento se trata de um momento-chave na história do filme. O despertar da consciência humana.

Este é o momento que justifica o título desta primeira parte do filme de Kubrick. Ele sugere aqui que, em um dado momento de nossa história, passamos a ser capazes de raciocinar, e com isso, construímos nossa história ao logo dos séculos. O monolito salvou o homem da extinção.

Animado com sua descoberta, o macaco primordial, como um bom cientista, se encarrega de testá-la. Ele vê que, com a ferramenta, é muito mais fácil matar antílopes para conseguir alimento, e vai até os macacos que estavam dominando o lago e os expulsa de lá na base da porrada, usando do pedaço de osso que encontrou, recuperando assim, o lago para seu grupo. Feliz com a descoberta, arremessa o osso, contente com as futuras possibilidades de seu achado.

Consegue compreender o que isto significa, caro leitor? Aqui temos, de maneira muito sutil, implícita, a ideia de grupos e ideologias. O grupo dos macacos que possuem a ferramenta, se trata do grupo progressista, o grupo científico, aqueles que são a favor dos avanços tecnológicos; o grupo da razão! Enquanto o grupo sem a ferramenta, se trata do grupo regressista, mais bucólico, pastoril, o grupo que é contra os avanços científicos, que prefere o homem em seu estado primário, sem apetrechos, apenas permanecendo em seu estado mais natural possível e usufruindo do que a terra dá. No entanto, o mundo não tem mais espaço para estes homens regressistas. Venceu, portanto, a disputa de território, o grupo que possuía mais tecnologia a seu favor.

Aqui, o homem inicia sua aliança com a ferramenta, que o ajudou, ao longo dos séculos, a construir e destruir civilizações, descobrir avanços científicos, subjugar povos e nações, promover o avanço ou a derrocada de povos, países, continentes, enfim. Estava traçado o caminho do homem que levou mais de dois mil anos para ser feito. Com isso, Kubrick realiza um salto temporal que nos faz chegar aos dias atuais, mais de dois mil anos depois na história da humanidade. Vemos o osso da pré-história se transformar em outras ferramentas. Satélites espaciais. Mas isso é assunto para a parte 2 de nossa análise. Até lá!

Tempo de filme: 19:52  min.

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