Vamos então à segunda parte da análise do filme 2001: A Space Odyssey; considere esta como a segunda parte do prelúdio do filme. Na parte anterior vimos como o homem acabou despertando para sua consciência após o primeiro contato com o emblemático monolito. Nesta aqui, a odisseia continua no futuro e segue adiante, rumo ao desconhecido e às surpresas que nos aguardam.
< Parte 1 Parte 3 >
A VIAGEM LUNAR DO ANO 2000
Esta parte se inicia em meio à uma espécie de balé espacial. A primeira surpresa que temos, e a primeira coisa que visualizamos, é no que aquele osso da pré-história se tornou. Kubrick faz a inter-relação entre os dois instrumentos, o primitivo e o moderno, nos chamando a atenção para como as ferramentas dos humanos ficaram mais bonitas e arrojadas, maiores, mais tecnológicas, mais capazes de nos levarem a lugares que nunca estivemos. E um desses lugares é o espaço. Percebe a transposição visual aqui do osso em relação ao satélite espacial mostrado na abertura deste fragmento? Pois é.
E o que mais vemos?
Vemos o triunfo do homem em relação ao seu destino. De um simples animal primitivo que nada era além de uma mera fera selvagem, a um ser capaz de atingir grandes distâncias, sofisticado. Todo este triunfo é cuidadosamente ilustrado no balé espacial, que tem como música de fundo, "An der schönen blauen Donau, Op. 314", ou, se quiser, simplesmente O Danúbio Azul. Você conhece o tema de Strauss; ele é tocado todas as vezes que celebramos um triunfo, algo que alcançamos. Sempre que alguém se casa, por exemplo, dança esta valsa. Portanto, a ideia de Kubrick aqui é ilustrar o triunfo do homem frente às adversidades e sua relação íntima com a ferramenta, e ele faz isso muito bem.
Repare que todos os objetos de cena que aparecem vão se movendo delicadamente, como passos de uma valsa. Neste ritmo, Kubrick estaria nos dizendo que o homem finalmente triunfou e alcançou a grandeza, selou o seu destino... mas OPS! Sutilmente, no meio de tudo isso, Kubrick nos sugere que algo está terrivelmente errado. Algo que irá colocar em risco a própria existência humana. Consegue identificar o que é?
Repare.
A caneta, que deveria estar na mão do homem, ou então no bolso de sua camiseta, vagueia pela estação espacial, sem rumo, devido à falta de gravidade. O homem dorme, enquanto sua ferramenta está fora de seu alcance.
Ou seja... no espaço, o homem perde o controle de suas ferramentas e de si mesmo!
Ele, o homem, que deveria ser o mestre de tudo que existe, o senhor supremo de seu destino... no espaço não passa de um ser inferior. Fora de seu elemento, o homem não tem o controle. A mulher entra na sala para ver o astronauta, e o ajuda, colocando a caneta de volta no bolso de sua camisa. Mas ela mesma tem dificuldades de andar pela nave, devido à falta de gravidade. O ser humano, fora de seu elemento natural, tem que aprender a andar de novo!
Mas não pára por aí. Vemos também que, para se comunicar com os seus, o homem tem que se utilizar de chamadas telefônicas de vídeo. O astronauta ouve sua filha perguntando se vai ao aniversário dela no dia seguinte, mas ele responde que não dá. Obviamente que não, ele está no espaço! A tecnologia nos aproximou de uma forma artificial, mas também nos levou tão longe, mas tão longe uns dos outros, que, ao mesmo tempo que muitas tarefas ficaram fáceis, outras ficaram bastante complicadas. Cada vez mais a tecnologia acaba por distanciar as pessoas umas das outras. Isto pode muito bem ser encarado como uma profecia ao que os aparelhos de celular fazem com as pessoas hoje em dia, com seus joguinhos e redes sociais. Impressionante o teor profético da coisa, não?
E ainda... repare como o homem se inspirou em seu próprio meio para construir ambientes na estação espacial. Lembra que eu falei no artigo anterior para você prestar atenção nos cenários? O corredor da estação em que se encontra o astronauta é uma réplica espelhada do terreno onde o homem se encontrava na era das cavernas. Compare.
Antes de continuarmos, vamos comparar estes homens de agora com as suas contrapartes primitivas. Se quiser, volte à parte 1 para relembrar:
- Intrépidos;
- Guiados pela racionalidade e cientificismo;
- Racionais;
- Providos de apurado senso crítico;
- Capazes de raciocinar e executar cálculos complexos;
- Curiosos.
Percebe a única constante na evolução do ser humano? Muito bem. Mas dentro de todas estas qualificações, ainda assim, algo no homem ainda está errado. Chegaremos lá.
Agora, prestem muita atenção na próxima sequência. Ela não pode ser ignorada de forma alguma, e guarda uma sutileza de referência extraordinária ao que vimos na parte 1. Claro, que para observadores mais calibrados e mais atenciosos do que eu, esta referência será identificada tão logo ela apareça na tela, mas como eu sou meio devagar para notar as coisas em um filme, precisando aí de diversas outras investidas em filmes como este para pegar estas referências, me pareceu bem sutil. Levei muitos anos, após a primeira exposição que tive a este filme, para pegar este detalhe, mas ele foi da mais profunda importância para entender muitas outras coisas dentro da análise filosófica de Kubrick, então muita atenção agora!
Vemos a equipe russa de astronautas se encontrar com a equipe americana, certo? Temos o Dr. Heywood Floyd descendo para sentar em uma mesinha circular, com cadeiras rodeando a mesa, junto à equipe russa. Agora pensemos: o que estava acontecendo nos anos 60 do século XX? Como a história nos ensina, houve a Corrida Espacial entre os EUA e a URSS, correto? Kubrick trouxe este contexto da Corrida Espacial para o ano de 2001, e o usou como um plot device, uma ferramenta de roteiro, para explicar algo inerente ao ser humano. A tomada da mesa, na fotografia do filme, nos lembra muito a angulação da poça de água na pré-história, não é?
E o que temos em cima da mesa branca? Exatamente! COPOS COM ÁGUA!!
Aquilo não foi colocado por acaso! Durante a conversa entre o Dr. Floyd e o russo, temos uma discussão "amistosa" sobre as antenas espaciais russas, que "misteriosamente" pararam de operar. O Dr. Floyd se mostra "surpreso" com o fato e diz que tentará fazer algo a respeito, mas o incômodo instalado após esta discussão ficou absolutamente claro entre eles. São duas comunidades com ideologias diferentes, filosofias diferentes, valores diferentes e que estão concorrendo entre si pelo espaço na história da exploração espacial. Ou seja... temos uma DISPUTA DE TERRITÓRIO! Disputa de poder. E quem possuir a ferramenta mais avançada, ganhará!
E eis que eu te pergunto, meu caro leitor atento: isto por acaso é muito diferente do que aconteceu na pré-história? Resposta: NÃO! A única coisa que mudou foram as circunstâncias, a tecnologia. Os copos com água estão na cena, justamente para indicar esta relação existente entre este período tecnológico, e o período das cavernas, da escuridão da mente humana. Nós, humanos, estamos disputando território exatamente da mesma maneira que os macacos estavam disputando a poça de água.
Troca-se a brutalidade do tempo das cavernas, pela disfarçada "finesse" dos tempos modernos, troca-se a poça de água pela mesa redonda, e finalmente, mas não menos importante, troca-se aquele pedaço de pau que o macaco descobriu na pré-história, por antenas e satélites de última geração. O resto é exatamente o mesmo.
Kubrick insere aqui, sutilmente, a ideia de que o ser humano apenas mudou de época, se tornou um pouco mais polido em termos de tratamento, e evoluiu as suas FERRAMENTAS. Porém, a verdadeira essência competitiva do homem, a essência brutal, a essência primitiva de macaco lá da pré-história, continua absolutamente a mesma! Kubrick nos ensina, que o homem apenas se preocupou em evoluir sua tecnologia, e esqueceu completamente de seu espírito.
Conclusão: o homem moderno não é muito diferente do homem das cavernas. Apenas estão inseridos em contextos diferentes. Eu poderia, tranquilamente, pegar esta ideia de Kubrick, substituir os astronautas no filme por pessoas atuais de ideologias diferentes, disputando um palanque político, e pronto. O homem, desde seus primeiros dias na Terra, não evoluiu um centímetro sequer, apenas melhorou as suas ferramentas. Está instaurado aí, o drama humano existencial de Kubrick.
Mas... e quanto ao espaço que o homem ocupa? E quanto à suas ferramentas? Vamos chegar nas ferramentas do homem dentro em pouco, na parte 3 desta análise. Vamos falar agora do espaço e de algumas filosofias que envolvem o tal desafio que eu citei lá na parte 1.
Para resumir: temos um espaço diferente, temos condições diferentes. E como consequência disso, teremos um novo desdobramento: repare o quanto o homem detém o domínio de seu meio, em seu habitat natural, o planeta Terra; desta forma, há um outro dilema aqui que Kubrick sugere: fora de seu habitat natural, o homem volta a ser um macaco. Isso mesmo!
Vamos analisar as próximas cenas espaciais: temos o homem comendo algo que se parece com papinha, não? Vemos a servente levando essas papinhas na bandeja, e vemos o Dr. Floyd e seus amigos, bebendo a papinha no canudinho. Como se fosse um bebê. Também vemos a servente andando com dificuldade no módulo espacial, e também vemos os astronautas lendo instruções de como usar o banheiro no espaço! Em resumo: fora de seu habitat, a Terra, o homem é como se fosse um ser primata outra vez, pois tem que reaprender a fazer tudo aquilo que ele sabia fazer bem em seu planeta natal. Tem que reaprender a comer, a andar, a usar o banheiro, a respirar, e todo o restante.
Desta forma, Kubrick novamente coloca o homem nas mesmas condições que ele se encontrava em seu período inicial. Fantástico, não? Mas o mais fantástico é o que está para acontecer em breve, antes de entrarmos na terceira parte desta análise.
Eu quero apenas antes, que você dê uma boa olhada na superfície da Lua: não parece muito com os terrenos que vimos lá na pré-história? Sim, se parecem, não é verdade? Repare também nas formas cada vez mais humanas que as naves espaciais estão adquirindo, como se o homem quisesse projetar uma imagem de si mesmo fora de seu habitat. E agora, vamos para a finalização desta parte, que é o reencontro com o enigma. O retorno do Monolito.
Uma equipe de pesquisadores afirmam terem localizado, na superfície da Lua, uma rocha magnética. O Dr. Floyd e sua equipe então partem para analisar esta rocha, falando das lendas envolvendo sua história. Começam a tocar o coro de vozes lá do início do filme. O homem se aproxima novamente do Monolito. Após milênios, eis que o homem está, frente a frente novamente com seu enigma. Só que, teoricamente, o homem evoluiu, certo? Não é mais aquele macaco da época da pré-história, concordam?
Na verdade ele é. Após milênios e milênios de evolução tecnológica, o homem ainda continua o mesmo em sua essência, nós acabamos de ver isso. Consternado com a rocha enigmática, ele a toca de novo, tentando decifrar seu antigo enigma. A rocha, permanece austera, estoica, imóvel, encarando o homem, como se dissesse "decifra-me! DECIFRA-ME!"
Após todo este longo caminho, e toda esta longa e tortuosa evolução, o homem ainda assim não foi capaz de decifrar o enigma do Monolito. A rocha fica lá, plantada, como que indicando onde o homem conseguiu chegar, uma marca, um sinal. A rima visual coloca o Monolito se sobrepondo novamente ao Sol e à Lua, exatamente como vimos na parte 1.
Mas o Monolito não está exatamente aqui para servir ao ser humano como uma fadinha do jogo Legend of Zelda, que guia Link pelo mundo de Hyrule; ao invés disso, a rocha está aqui para complicar. Um zunido ensurdecedor corta o ruído branco do coral, e começa a incomodar os astronautas, lhes demover de seu equilíbrio, homens que haviam até tomado posição para tirarem uma fotografia junto ao Monolito, agora, eles tem a reação de tapar os ouvidos em sinal de horrenda dor, como se o barulho lhes atravessasse os tímpanos. O zunido, claro, pode ser interpretado como uma agressão.
No contexto racional, este foi um zunido propagado, certamente por falha de algum material elétrico, mas vamos pensar filosoficamente: é quase como se o Monolito dissesse ao homem: "estou decepcionado! Anos e anos de evolução tecnológica, e o máximo que você, homem, consegue fazer com esta tua tecnologia é tirar uma foto de mim com você... francamente! Faz o seguinte: toma esta dúvida na sua cabeça, e mastigue-a, até dilacerar sua carne; dentro de algum tempo, nos encontraremos novamente, e então, você estará finalmente pronto, ou eu vou te engolir".
A cena pára, abruptamente, como uma perda de consciência. Acordou? Ótimo. Ficou zonzo, homem? Pois deveria. O seu desafio verdadeiro ainda nem começou! E ele virá, e te consumirá, sem dó e nem piedade.
Aqui, finalmente termina esta parte do prelúdio, tão fundamental e importante para o desenrolar do que virá agora, a partir deste exato momento. Na parte 3, conheceremos três novos personagens deste drama, e então, o desafio supremo do ser humano, estará lançado. Até lá!
Tempo de filme: 54:42 min.
< Parte 1 Parte 3 >
E ainda... repare como o homem se inspirou em seu próprio meio para construir ambientes na estação espacial. Lembra que eu falei no artigo anterior para você prestar atenção nos cenários? O corredor da estação em que se encontra o astronauta é uma réplica espelhada do terreno onde o homem se encontrava na era das cavernas. Compare.
Antes de continuarmos, vamos comparar estes homens de agora com as suas contrapartes primitivas. Se quiser, volte à parte 1 para relembrar:
- Intrépidos;
- Guiados pela racionalidade e cientificismo;
- Racionais;
- Providos de apurado senso crítico;
- Capazes de raciocinar e executar cálculos complexos;
- Curiosos.
Percebe a única constante na evolução do ser humano? Muito bem. Mas dentro de todas estas qualificações, ainda assim, algo no homem ainda está errado. Chegaremos lá.
Agora, prestem muita atenção na próxima sequência. Ela não pode ser ignorada de forma alguma, e guarda uma sutileza de referência extraordinária ao que vimos na parte 1. Claro, que para observadores mais calibrados e mais atenciosos do que eu, esta referência será identificada tão logo ela apareça na tela, mas como eu sou meio devagar para notar as coisas em um filme, precisando aí de diversas outras investidas em filmes como este para pegar estas referências, me pareceu bem sutil. Levei muitos anos, após a primeira exposição que tive a este filme, para pegar este detalhe, mas ele foi da mais profunda importância para entender muitas outras coisas dentro da análise filosófica de Kubrick, então muita atenção agora!
Vemos a equipe russa de astronautas se encontrar com a equipe americana, certo? Temos o Dr. Heywood Floyd descendo para sentar em uma mesinha circular, com cadeiras rodeando a mesa, junto à equipe russa. Agora pensemos: o que estava acontecendo nos anos 60 do século XX? Como a história nos ensina, houve a Corrida Espacial entre os EUA e a URSS, correto? Kubrick trouxe este contexto da Corrida Espacial para o ano de 2001, e o usou como um plot device, uma ferramenta de roteiro, para explicar algo inerente ao ser humano. A tomada da mesa, na fotografia do filme, nos lembra muito a angulação da poça de água na pré-história, não é?
E o que temos em cima da mesa branca? Exatamente! COPOS COM ÁGUA!!
Aquilo não foi colocado por acaso! Durante a conversa entre o Dr. Floyd e o russo, temos uma discussão "amistosa" sobre as antenas espaciais russas, que "misteriosamente" pararam de operar. O Dr. Floyd se mostra "surpreso" com o fato e diz que tentará fazer algo a respeito, mas o incômodo instalado após esta discussão ficou absolutamente claro entre eles. São duas comunidades com ideologias diferentes, filosofias diferentes, valores diferentes e que estão concorrendo entre si pelo espaço na história da exploração espacial. Ou seja... temos uma DISPUTA DE TERRITÓRIO! Disputa de poder. E quem possuir a ferramenta mais avançada, ganhará!
E eis que eu te pergunto, meu caro leitor atento: isto por acaso é muito diferente do que aconteceu na pré-história? Resposta: NÃO! A única coisa que mudou foram as circunstâncias, a tecnologia. Os copos com água estão na cena, justamente para indicar esta relação existente entre este período tecnológico, e o período das cavernas, da escuridão da mente humana. Nós, humanos, estamos disputando território exatamente da mesma maneira que os macacos estavam disputando a poça de água.
Troca-se a brutalidade do tempo das cavernas, pela disfarçada "finesse" dos tempos modernos, troca-se a poça de água pela mesa redonda, e finalmente, mas não menos importante, troca-se aquele pedaço de pau que o macaco descobriu na pré-história, por antenas e satélites de última geração. O resto é exatamente o mesmo.
Kubrick insere aqui, sutilmente, a ideia de que o ser humano apenas mudou de época, se tornou um pouco mais polido em termos de tratamento, e evoluiu as suas FERRAMENTAS. Porém, a verdadeira essência competitiva do homem, a essência brutal, a essência primitiva de macaco lá da pré-história, continua absolutamente a mesma! Kubrick nos ensina, que o homem apenas se preocupou em evoluir sua tecnologia, e esqueceu completamente de seu espírito.
Conclusão: o homem moderno não é muito diferente do homem das cavernas. Apenas estão inseridos em contextos diferentes. Eu poderia, tranquilamente, pegar esta ideia de Kubrick, substituir os astronautas no filme por pessoas atuais de ideologias diferentes, disputando um palanque político, e pronto. O homem, desde seus primeiros dias na Terra, não evoluiu um centímetro sequer, apenas melhorou as suas ferramentas. Está instaurado aí, o drama humano existencial de Kubrick.
Mas... e quanto ao espaço que o homem ocupa? E quanto à suas ferramentas? Vamos chegar nas ferramentas do homem dentro em pouco, na parte 3 desta análise. Vamos falar agora do espaço e de algumas filosofias que envolvem o tal desafio que eu citei lá na parte 1.
Para resumir: temos um espaço diferente, temos condições diferentes. E como consequência disso, teremos um novo desdobramento: repare o quanto o homem detém o domínio de seu meio, em seu habitat natural, o planeta Terra; desta forma, há um outro dilema aqui que Kubrick sugere: fora de seu habitat natural, o homem volta a ser um macaco. Isso mesmo!
Vamos analisar as próximas cenas espaciais: temos o homem comendo algo que se parece com papinha, não? Vemos a servente levando essas papinhas na bandeja, e vemos o Dr. Floyd e seus amigos, bebendo a papinha no canudinho. Como se fosse um bebê. Também vemos a servente andando com dificuldade no módulo espacial, e também vemos os astronautas lendo instruções de como usar o banheiro no espaço! Em resumo: fora de seu habitat, a Terra, o homem é como se fosse um ser primata outra vez, pois tem que reaprender a fazer tudo aquilo que ele sabia fazer bem em seu planeta natal. Tem que reaprender a comer, a andar, a usar o banheiro, a respirar, e todo o restante.
Desta forma, Kubrick novamente coloca o homem nas mesmas condições que ele se encontrava em seu período inicial. Fantástico, não? Mas o mais fantástico é o que está para acontecer em breve, antes de entrarmos na terceira parte desta análise.
Eu quero apenas antes, que você dê uma boa olhada na superfície da Lua: não parece muito com os terrenos que vimos lá na pré-história? Sim, se parecem, não é verdade? Repare também nas formas cada vez mais humanas que as naves espaciais estão adquirindo, como se o homem quisesse projetar uma imagem de si mesmo fora de seu habitat. E agora, vamos para a finalização desta parte, que é o reencontro com o enigma. O retorno do Monolito.
Uma equipe de pesquisadores afirmam terem localizado, na superfície da Lua, uma rocha magnética. O Dr. Floyd e sua equipe então partem para analisar esta rocha, falando das lendas envolvendo sua história. Começam a tocar o coro de vozes lá do início do filme. O homem se aproxima novamente do Monolito. Após milênios, eis que o homem está, frente a frente novamente com seu enigma. Só que, teoricamente, o homem evoluiu, certo? Não é mais aquele macaco da época da pré-história, concordam?
Na verdade ele é. Após milênios e milênios de evolução tecnológica, o homem ainda continua o mesmo em sua essência, nós acabamos de ver isso. Consternado com a rocha enigmática, ele a toca de novo, tentando decifrar seu antigo enigma. A rocha, permanece austera, estoica, imóvel, encarando o homem, como se dissesse "decifra-me! DECIFRA-ME!"
Após todo este longo caminho, e toda esta longa e tortuosa evolução, o homem ainda assim não foi capaz de decifrar o enigma do Monolito. A rocha fica lá, plantada, como que indicando onde o homem conseguiu chegar, uma marca, um sinal. A rima visual coloca o Monolito se sobrepondo novamente ao Sol e à Lua, exatamente como vimos na parte 1.
Mas o Monolito não está exatamente aqui para servir ao ser humano como uma fadinha do jogo Legend of Zelda, que guia Link pelo mundo de Hyrule; ao invés disso, a rocha está aqui para complicar. Um zunido ensurdecedor corta o ruído branco do coral, e começa a incomodar os astronautas, lhes demover de seu equilíbrio, homens que haviam até tomado posição para tirarem uma fotografia junto ao Monolito, agora, eles tem a reação de tapar os ouvidos em sinal de horrenda dor, como se o barulho lhes atravessasse os tímpanos. O zunido, claro, pode ser interpretado como uma agressão.
No contexto racional, este foi um zunido propagado, certamente por falha de algum material elétrico, mas vamos pensar filosoficamente: é quase como se o Monolito dissesse ao homem: "estou decepcionado! Anos e anos de evolução tecnológica, e o máximo que você, homem, consegue fazer com esta tua tecnologia é tirar uma foto de mim com você... francamente! Faz o seguinte: toma esta dúvida na sua cabeça, e mastigue-a, até dilacerar sua carne; dentro de algum tempo, nos encontraremos novamente, e então, você estará finalmente pronto, ou eu vou te engolir".
A cena pára, abruptamente, como uma perda de consciência. Acordou? Ótimo. Ficou zonzo, homem? Pois deveria. O seu desafio verdadeiro ainda nem começou! E ele virá, e te consumirá, sem dó e nem piedade.
Aqui, finalmente termina esta parte do prelúdio, tão fundamental e importante para o desenrolar do que virá agora, a partir deste exato momento. Na parte 3, conheceremos três novos personagens deste drama, e então, o desafio supremo do ser humano, estará lançado. Até lá!
Tempo de filme: 54:42 min.
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