Monday, February 23, 2015

MATÉRIA: Two and a Half Men (Dois Homens e Meio) - o balanço geral

Eu sei o que vocês devem estar pensando com tudo isso. Talvez eu nem devesse estar perdendo meu tempo, mas vamos lá. Two and a Half Men sempre foi, e sempre será, minha série favorita de comédia. Isto não é segredo e eu nem faço questão que seja, e caso você esteja imaginando o que leva um sujeito como eu adorar tanto o humor auto-depreciativo e canalha da série, bom, então eu tenho que começar lhes explicando a regra básica da comédia, aquela regrinha de ouro que serve como o lado norte do compasso do gênero. Explicarei essas coisas em um segundo, vamos voltar ao assunto que temos em mãos, primeiro. Esta semana passada, terminou o que se convencionou chamar de "Two and a Half Men". Quando eu digo "convencionou", é justamente porque eu não aceito de forma alguma que seja chamado, mas por motivo de força maior o é. Então, todas as vezes que você ver eu falando desta maneira particular, caro leitor, pode estar certo que isto não me dá prazer de forma alguma. Enfim, o programa de Chuck Lorre terminou.

Vamos falar sobre ele por uns instantes.

Peraí, que porra eu tô fazendo? Cara, vou desencanar dessa linguagem comportada se me permite, beleza? É um show de comédia bem canalha, então vou mergulhar no clima dele. É o seguinte, desde que o show começou eu tenho acompanhado, só tem figuraça nesse show! O cara é um escritor de jingles, mora sozinho, trepa com tudo que é mulher, ganha a vida de forma hedonista, tem uma puta de uma casa enorme que fica em frente a uma praia de Malibu, bebe, fuma charuto cubano, enfim, o cara é fodão pacarai! É o que todo e qualquer ser masculino do tipo macho-alfa sonha em ser. Muito da audiência do show era justamente por causa do tipo de cara que Charlie era. A série revolvia em torno dele, o personagem foi escrito tendo o Charlie Sheen na vida real como base, ou seja, era o casamento perfeito entre ator e personagem.

Do outro lado a gente tem o irmão loser... tá sempre fudido, sem grana, cheio de dívidas e ainda por cima terminou um casamento de 10 anos e passou a morar com o irmãozão winner. É quiroprata, tem um filho chamado Jake que só tira nota baixa na escola e tá tentando se reestruturar. Tentando... tentando... tentando... e passa anos tentando... até hoje tenta. Um verdadeiro parasita.

Ou seja, os caras são o oposto um do outro em todos os sentidos, fica até difícil acreditar que são irmãos. Aliás, isso é o que fazia o humor nonsense da série ser tão bom, pelo amontoado de situações improváveis que a bagaça tinha.

Então vou lhe explicar porque eu adorava tanto a série. Vamos voltar naquilo que eu falei da regra da comédia. É isso aí, até a comédia tem regras pra funcionar bem, amigão. Então olha só, o que causa o riso? Pensa bem nisso. É o que você tem que começar a pensar antes de eu te responder certas coisas, certo?

Já pensou? OK.

Então vamos lá. Por mais que você possa não perceber, não sei, talvez você perceba, talvez não, mas o riso é causado pela desgraça alheia. Você já parou pra pensar nisso alguma vez? Quando você assiste, sei lá, vamos pegar o Papa-Léguas, então você está lá assistindo o Papa-Léguas sendo perseguido pelo Coiote, aí o Coiote bola mais um plano pra pegar o bicho velocista, acaba dando tudo errado, o coitado do Coiote se fode de novo pela enésima vez e no próximo episódio começa tudo de novo. Você assiste e dá risada... de quem? Do Papa-Léguas? CLARO QUE NÃO! Você ri do Coiote! Ele que se ferra o tempo todo, ele que te provê o riso. Mas o Papa-Léguas também tem parte nisso, uma vez que o pássaro é a causa da desgraça do Coiote, certo? Você não ri dele, mas ele contribui para que você ria. Assim também são outros desenhos, como Tom & Jerry, Pernalonga e Patolino, Pica-Pau, etc, com uma variação ou outra. Até no Bob Esponja tem o fator do desgosto do Lula Molusco ter que aturar os barulhentos Bob e seu amigo Patrick como vizinhos.

E assim também são sitcoms como How I Met Your Mother, Seinfeld, Friends, The Big Bang Theory, etc; pode perceber, os episódios mais engraçados são aqueles em que alguém se encontra na mais profunda desgraça, seja em pequena ou larga escala, e daí o riso vem de forma praticamente natural. Isso vem desde os tempos do Chaplin, do Buster Keaton, dos Três Patetas, de Abbot & Costello, de Laurel & Hardy, dos irmãos Marx, enfim, a comédia, o riso, seja em situações físicas ou de pura verborragia, vem sempre porque alguém caiu em desgraça, porque alguém foi humilhado, porque alguém se deu mal na vida. Se você não percebe isso, cara, então talvez comédia não seja para você. Não dá para se ter uma situação genuinamente engraçada sem alguém se dar mal, sem alguém sair ofendido, humilhado. Em suma, a dor dos outros é o nosso riso; se você quiser fazer as pessoas rirem, alguém vai ter que sair ofendido. É por isso que as comédias românticas não tem graça alguma. Nessas comédias românticas, eles partem do princípio de que se todos os personagens expressarem felicidade, mesmo numa situação de desgraça, então a audiência vai achar legal e ficar feliz. Não funciona, precisamos ver a dor e a humilhação estampadas na cara de quem as sofre.

Bom, explicado isso, voltemos a Two and a Half Men. Acho que acabei de lhe explicar o motivo da série ser tão engraçada, não? Ora, temos o Alan, que é o humilhado, aquele irmão que vive de favor na casa do Charlie, que por sua vez só se dá bem, não? Quase. Há um outro elemento primordial e indispensável para que uma boa comédia funcione de maneira eficaz, a QUÍMICA! Não, não estou falando de Breaking Bad! Estou falando da química entre os personagens, da interação. Veja só a introdução da série para se ter uma ideia dessa química.



Quando Two and a Half Men começou, nas três primeiras temporadas da série, a química do trio protagonista, Charlie, Alan e Jake era perfeita. Um fazia piada com o outro, um interagia com o outro de forma absolutamente natural. Era um prazer imenso assistir àqueles personagens viverem suas vidas, caírem em desgraça, rirem um do outro, se meterem em inúmeros impropérios. Era divertido, como uma boa piada deve ser. Nas outras 5 temporadas que tiveram com Charlie Harper e os outros, a qualidade foi caindo um tanto, mas mesmo assim ainda era divertido vê-los em cena.



Então Charlie Sheen é despedido da série e acontece todos aqueles impropérios na vida real. Ao invés de acabar o seriado com o mínimo de dignidade, o criador Chuck Lorre decide arrastar este cadáver. E chama o Kelso de Saturday Night Live para substituir Charlie.


Pobre Ashton Kutcher... entrou num barco furado. Eu não estou nem criticando o cara, ele fez um filme que acho maravilhoso, chamado Efeito Borboleta. Mas foi a única coisa boa que ele fez na vida. O cara só atua em comediazinhas românticas, e em termos de carisma, tem o mesmo carisma que um pires de café. Pra piorar, pega um personagenzinho cafona, babaca, bobão, sem um pingo sequer de apelo para vestir a pesada camisa que era de Charlie. Sua química com os outros personagens é forçada, as situações que era pra serem cômicas, não tem graça alguma. Jon Cryer, o Alan, que desde as últimas três temporadas com Charlie vem carregando a série nas costas, tem aqui um fardo ainda mais pesado, pesado até mesmo para ele, que é um grande comediante, carregar. A participação de Angus T. Jones, o Jake vai ficando cada vez mais reduzida, e o menino já não é mais tão engraçado como era quando tinha seus 10 anos.

Os roteiros da série vão se assemelhando cada vez mais a roteiros rasos de comédias românticas, com uma ou outra exceção, basicamente aqueles episódios que tinham mais a ver com o extinto personagem de Charlie. Eu lembro de ter começado a assistir aquela que convencionaram chamar de 9ª temporada do seriado, já com Kutcher. Assisti 5 episódios... nenhuma risada; larguei. Voltava a ver somente quando anunciavam que o próximo episódio era sobre o Charlie. Ria um pouco, mas era deprimente. Pessoalmente eu considerava um insulto de Lorre com a sua fiel audiência continuar essa patacoada. Tentaram também trazer a filha lésbica de Charlie para a tal 11ª temporada... em vão.

E quanto a personagem da série que eu mais gostava, a Berta, puta que pariu! Eu ria litros quando estavam em cena, Berta, Alan e Charlie! Litros! Que personagem mais bem criada, engraçadíssima, com língua afiada, soltando sempre uma pérola... e a risada dela... aaah, aquela risada!! Eu até peguei a mania de rir como ela! Que risada gostosa ela tem! Ela só precisava dar aquela risada dela e pronto, menos de um segundo eu já estava rindo!



Fazendo uma grossa comparação de Two and a Half Men com o desenho do Papa-Léguas, imagine que Charlie era o Papa-Léguas, Alan o Coiote e a Berta era um daqueles produtos Acme que o Coiote usava. Agora tenta imaginar o desenho do Papa-Léguas sem o Papa-Léguas. Quem o Coiote vai perseguir? Pra que ele vai querer bolar armadilhas, pra pegar quem? Não tem mais graça! Acaba a química que o desenho tem de tão abundante, certo?

Ou então imagine que fossem substituir algum dos Friends na extinta série... Você iria se dar por satisfeito de ficar sem algum deles? Sem o Ross, talvez? Ou quem sabe sem a Rachel, ou a Monica, ou até a Phoebe? Não daria certo.

E foi isso que aconteceu com Two and a Half Men. Não só a série perdeu a química entre seus personagens, como também pulou o tubarão em diversos momentos após a morte de Charlie Harper, que obviamente já foi uma pulada homérica em dois tubarões. E na tal da 12ª temporada, como diria o Nostalgia Critic, o que a série fez não foi somente pular o tubarão mas também dar a volta, atirar nas bolas dele, estuprá-lo, comer sua carne, consumir sua alma, montar sua cabeça na parede e ainda fazer isso com mais uns 12 tubarões só pra se certificar. Opa, não sabe o que quer dizer "pular o tubarão"? Então leia este ótimo artigo sobre o termo e depois volte aqui.



E agora, mesmo após toda essa arrastada de quatro temporadas inúteis que a série vem passando, nem mesmo o episódio final consegue redimir. O episódio duplo que termina tudo só funciona se você esquecer que está vendo Two and a Half Men. Mas pensando bem, nem assim, porque você vai precisar saber de muitas coisas sobre a série para entendê-lo. O episódio dá pra mim sinais claros que Chuck Lorre perdeu as estribeiras e não está no seu juízo perfeito. Você provavelmente deve estar se perguntando como ele é. Eu posso até te contar, mas vou ser bacana com quem quer ver e colocar aviso de spoiler, OK? Aí você marca o texto abaixo e lê por conta e risco, beleza? Então tá.

SPOILER - TAHM EPISÓDIO FINAL
Ok, então Alan recebe uma carta da produtora de jingles de Charlie dizendo que seu irmão tinha 2,5 milhões de dólares para serem resgatados. Então ele liga para resgatar esse dinheiro, uma vez que acredita que Charlie está morto, mas acaba que ele e o personagem do Kutcher acabam recebendo torpedos no celular com ameaças de alguém querendo matar eles. Enquanto isso, Rose, a antiga perseguidora de Charlie é mostrada na casa dela com um poço enorme (??WTF??) onde ela aparentemente mantém alguém prisioneiro... alguém que aparentemente bebe e se veste como Charlie. Alan vai então à procura de saber se o irmão está mesmo morto, uma vez que alguém já havia resgatado, minutos depois, o dinheiro dos jingles. Acaba que Rose revela, após um tempo, que Charlie estava vivo este tempo todo e que passou 4 anos prisioneiro no poço de Rose. Rose conta que as coisas aconteceram exatamente do jeito que ela contou no primeiro episódio da nona temporada em Paris, exceto pela parte em que ao invés de ser Charlie a ser morto pelo trem, foi uma cabra que caiu nos trilhos, ou seja, as cinzas de Charlie não eram realmente dele. Então os dois voltaram de Paris e ela jogou Charlie no poço. Tudo isso acontece através de uma animação stop-motion. Só que Charlie finalmente havia escapado do poço no episódio e agora buscava vingança. Alan e o personagem de Kutcher telefonam para todas as suas amantes dizendo o quanto elas eram importantes, com medo de morrerem. Ocorre que um policial que foram ver, interpretado por Arnold Schwarzenegger (PQP!!) pegou um cara, só que era o cara errado. Lá na sacada, pensando que finalmente estavam em segurança, Berta, Alan e o personagem de Kutcher deitam e fumam os charutos cubanos de Charlie. Então eles percebem um helicóptero no céu carregando um piano dependurado, que parece ser o antigo piano de Charlie. Fora da casa de Malibu, é mostrado um sujeito que parece ser Charlie (que nunca vira de frente, pois é um dublê de Sheen) tocando a campainha, quando, de repente, o piano cai e mata ele. A câmera se afasta e mostra o criador da série Chuck Lorre se virando e dizendo "winning", e o piano cai em cima dele também, e a série acaba. O episódio é cheio de auto-referências e piadas sobre a vida pessoal de Sheen, quebras de quarta parede e uma breve participação de Angus T. Jones como Jake.
FIM DO SPOILER

Para mim, este último episódio da série foi ofensivo. Ofensivo para com os atores da série, ofensivo para com a audiência que esperava algo melhor e mais respeitoso e ofensivo para com os próprios personagens da série. Não cumpriu seu papel de fechar uma história, uma vez que não se sabe de fato o que irá acontecer com os personagens daqui pra frente e não serviu como diversão de qualidade, uma vez que as piadas são super deslocadas. O nonsense em si é um elemento completamente estranho, uma vez que a série mesmo nunca se valeu do recurso da forma deslocada como é apresentado aqui. Teria sido melhor Chuck Lorre ter jogado um piano na audiência, estender o dedo médio pra todos e dizer um "fodam-se vocês, é minha série e eu faço dela o que eu quiser". Deprimente.

E não adianta chegar pra mim e dizer que não havia outra alternativa. Foi má vontade de Lorre mesmo com relação a todos. Penso que havia várias outras alternativas decentes de terminar a série. Agora o Lorre vem dizer no cartão final do episódio de que havia convidado Sheen para fazer a ponta final, mas nesta altura amigo, eu pergunto: de que isso adiantaria? Não refrescaria muito, uma vez que o mote principal da série já havia se esfacelado há muito. Prefiro mesmo ficar com o final da oitava temporada, onde vemos Charlie Harper e Rose saindo para ir morar em Paris, teria sido um final mais honrado. E nem adianta tentar me empurrar qualquer coisa além disso, que meu argumento será sempre o mesmo: estas 4 temporadas finais não fazem parte da minha cronologia.

Com isso, é melhor sempre dividirmos Two and a Half Men quando falarmos sobre a série em antes da saída de Sheen e depois de sua saída. O cara pode até ser um escroto na vida real, mas que sua personagem era o coração da série, ele era. E sem o coração, o seriado foi cada vez mais parando de bombear sangue para os outros órgãos, que foram aos poucos se esfacelando até tudo acabar. É o Coiote sem o Papa-Léguas. Deprimente.

O pôster inicial reflete exatamente a maneira que quero me lembrar de Two and a Half Men: divertida, sacana, canalha, uma série engraçadíssima e que me fazia chorar de tanto rir, com personagens carismáticos, bem escritos e cheios de vida... e álcool... e a ocasional garota na cama de Charlie... com Jake e seu tempero de criança apimentando a vida dos dois irmãos... e a engraçadíssima Berta e a mãe de Charlie e Alan, fazendo da vida dos dois um inferninho divertido de se ver.

Two and a Half Men (2003-2011 / 2011-2015)
Título em português BR: Dois Homens e Meio
Nota 1: 8,5 / 10 (temporadas 1-8)
Nota 2: 3,0 / 10 (temporadas 9-12)

Direção: James Widdoes, Gary Halvorson, Pamela Fryman, Jeff Melman, Rob Schiller, Lee Aronsohn, Jon Cryer, Chuck Lorre, entre outros
Produção: Kim Tannenbaum, Eric Tannenbaum, Chuck Lorre, Michael Collier, entre outros
Criação e roteiros: Lee Aronsohn, Chuck Lorre, Jim Patterson, Eddie Gorodetsky, Don Foster, Mark Roberts, Susan Beavers, Don Reo, entre outros
Trilha sonora: Dennis C. Brown, Grant Geissman

Estrelando: Charlie Sheen, Jon Cryer, Angus T. Jones, Conchata Ferrell, Holland Taylor, Marin Hinkle, Melanie Lynskey, Ashton Kutcher, entre outros

Trailer:

No comments:

Post a Comment