Sunday, July 12, 2015

NO CINEMA: Citizen Kane (Cidadão Kane)

Quando eu avistei este clássico passando na rede Cinemark, não pude resistir! Embora eu tenha o Blu-Ray deste que é considerado o melhor filme já feito na história da sétima arte, eu precisava testemunhá-lo na telona do cinema, em toda sua glória em preto e branco! Para falarmos sobre esta obra-prima do cinema, precisamos voltar no tempo e olhar um pouco mais a fundo em um pedaço da cultura e história americanas de um dos maiores ícones folk da história dos EUA. Vamos a uma pequena apresentação para aqueles que nunca ouviram falar deste filmaço.

Citizen Kane é um filme baseado na história real de um jornalista e magnata chamado William Randolph Hearst. Hearst era uma figura de muita controvérsia em sua época. Ele construiu um império midiático enorme e ganhou uma grande fortuna com ele. Tempos depois ele veria este império pouco a pouco definhar e entrar em profunda decadência.

WILLIAM RANDOLPH HEARST


Hearst viveu de Abril de 1893 a Agosto de 1951. Ele acabou levantando a maior rede jornalística de sua época e influenciou profundamente o modo como se fazia jornalismo nos EUA. Ele trabalhou no The San Francisco Examiner e se tornou dono do The New York Journal. Conforme ele ia adquirindo outros jornais, ele erguia as bases para construir o jornalismo sensacionalista, criando o termo yellow journalism, que nós conhecemos no Brasil através do termo imprensa marrom, que é designado hoje em dia para citar veículos sensacionalistas e que pouco se importam com a veracidade daquilo que veiculam, querendo mesmo ganhar publicidade e visibilidade, criando então boatos e histórias ao redor de alguma coisa. Hearst conseguiu até comprar briga contra um dos maiores jornalistas de sua época, Joseph Pulitzer! PULITZER! Pouco arrogante, não?

O cara também concorreu a vários cargos públicos como prefeito e governador, sem nunca ganhar uma eleição. Como resultado disso, ele concentrava seus esforços em influenciar as notícias e tabloides políticos em seus jornais e revistas, fazendo com que ocorresse a guerra contra a Espanha em 1898. Até a metade dos anos 20, o cara tinha impressionantes 30 jornais em sua posse!

Casou-se com a atriz do teatro vaudeville Millicent Veronica Willson em 1903 e teve 5 filhos com ela. Se separaram na metade dos anos 20 e Hearst se casou com a atriz Marion Davies (conhecida pelo filme Cain and Mabel, de 1936, estrelando ela e Clark Gable), após se separar da primeira esposa. Apesar de Hearst e Marion terem se separado, permaneceram legalmente casados até os últimos dias da vida do magnata. O cara ainda construiu uma mansão suntuosa no início dos anos 1890 e tinha uma coleção invejável de arte, além de possuir castelos como suas propriedades.

Em suma, o cara era um verdadeiro excêntrico, sociopata e arrogante e muito, mas muito poderoso. Infelizmente para ele, o poder chegou ao fim e ele amargou um triste fim de vida, tendo sua vida retratada pelo filme Citizen Kane e inclusive entrando com processo contra o filme sem sequer tê-lo visto, para impedir que ele saísse nos cinemas. Como ele já não era mais tão influente, o processo deu em nada e o filme estreou em 1941 em meio a muita controvérsia e polêmica, mas acabou vencendo o teste do tempo e fez um enorme sucesso, se tornando um clássico absoluto do cinema mundial.

Esta controvérsia toda está inclusive muito bem documentada no filme The Battle Over Citizen Kane (A Batalha por Cidadão Kane) de 1996, dirigido por Michael Epstein e Thomas Lennon, que explica todos estes pormenores, desde o passado da figura real, Hearst, narrando toda sua história e de onde eu tirei informação para compôr toda esta parte introdutória de minha resenha, até o lançamento do filme e a rixa de Hearst com o filme. Lá mostra também as comparações entre as figuras reais, colocando Hearst e Welles lado a lado e explicando a obsessão de Welles com a figura que satirizava na tela, muito até mesmo em decorrência de sua própria natureza egocêntrica e bastante semelhante a de Hearst, o que traz uma identificação direta do diretor e ator com sua famosa personagem; quem se interessar, recomendo que vá atrás, é bem interessante. Vamos falar do filme de Orson Welles.

CHARLES FOSTER KANE


A melhor forma de definir Hearst em relação ao fictício Charles Foster Kane no filme é a frase de Orson Welles que foi cunhada na mídia em uma entrevista: "William Randolph Hearst nasceu rico. Ele era o filho mimado de uma mãe adorável. Este é o fato decisivo sobre ele. Charles Foster Kane nasceu pobre e foi criado por um banco."

Acho que é desnecessário dizer aqui que o próprio Orson Welles também tinha um ego dos diabos, não? Pois é, aqui é batalha de egos, meu amigo, mantenha isso em mente! Aliás, Welles estava tão confiante de que Hearst estava prestes a entrar em um ataque de fúria contra seu filme, que no dia da première do mesmo, Welles deu a desculpa para a imprensa de que o filme foi inspirado na história de Fausto, personagem de Nietzsche. Se for ver bem até que dá para comprar este argumento, afinal estamos falando de um sujeito que, dominado por sua arrogância, pensa ter o rei na barriga e acha que é invencível, único, poderoso.

O filme abre com a clássica cena do protagonista do filme, Charles Foster Kane (Orson Welles) dizendo suas últimas palavras antes de morrer: ROSEBUD. Durante todo o filme, o mistério revolve ao redor desta palavra. Conhecemos então a história de Charles, um jornalista de sucesso e fortuna, desde seus primórdios simples de pobreza no estado de Colorado até sua ascensão como jornalista. A sátira à Hearst aqui fica evidente! Vemos ele concorrer a cargos públicos, vemos ele se casar com Emily Monroe (Ruth Warrick), se divorciar e se casar novamente com Susan Alexander (Dorothy Comingore), vemos ele adentrar a imprensa marrom e provocar uma guerra, assim como vemos amigos e pessoas próximas a ele falar de sua vida como magnata e seus exageros. Por fim, vemos ele entrar em profunda decadência em sua vida pública e social e viver recluso em Xanadu, sua mansão suntuosa.

Quanto ao mistério que o repórter (William Alland) incumbido de resolver acaba abandonando, o termo ROSEBUD não poderia ser mais simbólico para fechar uma grande obra-prima. Sempre houve gente especulando sobre o verdadeiro significado em relação a esse termo, alguns até mesmo fazendo algum tipo de associação erótica com ele. Mas filosofando aqui um pouco, o significado não poderia ser mais simples! Vivemos uma vida atribulada e que constantemente nos cobra. Homens que geralmente costumam se portar como esfinges frias, podem na verdade serem covardes por dentro, e temerem que serão tachados de fracos ao falarem sobre suas atribulações, ou mesmo se se derem ao luxo de dependerem de alguém, fazendo então com que a arrogância e a aspereza sejam seus mecanismos de defesa. Esquecem que um dia já foram mais felizes e somente quando é tarde demais voltam a dar valor nas coisas simples e prazerosas da vida, esquecendo de viver e assim definhando em amargura e tragédia; e quando eu falo de tragédia, eu me refiro à tragédia de não terem vivido de fato. E pior: são afogados pelos próprios monstros que ajudaram a criar. No fim, se queimam e morrem, e são esquecidos do olhar público. Eu acabei de lhes prover as pistas; prestem bastante atenção nas cenas finais do filme que todo o mistério está lá!

Estrelado por vários astros da época, incluindo aí a ilustre presença das estrelas Joseph Cotten (que já trabalhou com Alfred Hitchcock) e Agnes Moorehead (conhecida pela série Bewitched), Citizen Kane é um dos maiores espetáculos cinematográficos já concebidos por qualquer cineasta, e provavelmente jamais superado por alguém. É uma narrativa interessantíssima, que prende a atenção e que permanece até hoje como um filme essencial a qualquer pessoa.

O filme é considerado perfeito em vários círculos, muitos dizem que ele não possui inconsistências narrativas ou eventuais furos de roteiro, como é fácil encontrar em todos os filmes produzidos nos dias de hoje aos montes. Porém, eu sinto desapontar quem ainda pensa dessa maneira, mas o grande e intocável Citizen Kane tem um furo de roteiro sim, enorme, e ele acontece na cena mais icônica do filme, aquela que todo mundo se recorda de imediato. E se formos considerar este furo, meu amigo leitor, ele compromete toda a estrutura narrativa do filme e põe em dúvida uma questão muito delicada.

Se todos repararem na abertura do filme, bem como no seu terceiro ato, Charles Foster Kane se encontrava sozinho e recluso no momento de sua morte. Não havia pessoa alguma junto a ele na sala, nem mesmo sua esposa. Agora pensem comigo por um momento: em uma época em que não havia Internet, computadores, celulares, gravadores portáteis (aliás, nada portátil), nem qualquer uma dessas traquitanas tecnológicas que temos hoje em dia... como é possível que alguém tenha escutado o velho Charles sussurrar "ROSEBUD" dentro de seu recinto? Como sabiam o que ele falou antes de morrer? Muito suspeito, não acham? Como o mistério do filme revolve justamente nisso que Kane disse antes de morrer, esse pequeno furinho se torna uma cratera de roteiro e nos faz questionar como a imprensa e os repórteres sabiam que ele disse "ROSEBUD" de seu quarto, estando totalmente isolado e sem ninguém por perto para ouví-lo! Este sim, meu amigo, é um mistério que permanecerá para sempre, sem solução!

Mas, se levarmos em conta o caráter artístico e estético da cena, o filme é realmente um primor! E isso não é sensacionalismo da minha parte, somente a minha mais honesta sinceridade! O filme, o maior êxito da carreira de Orson Welles, claro, sem considerarmos os seus alienígenas que foi uma farsa que trouxe o pânico para toda população dos EUA na época, ainda hoje se faz atual em sua premissa por muitas e muitas razões, portanto, não perca a oportunidade de ir assistir a um dos melhores e mais icônicos filmes e a uma das narrativas mais interessantes e contundentes que o cinema americano já produziu. Eu já fiz minha boa ação e levei minha esposa junto comigo ao cinema para ver esta pérola, e recomendo que você faça o mesmo! O Cinemark está exibindo o filme nos dias 11, 12 e 15 de Julho aqui na minha cidade. Corra! Recomendação máxima.

Citizen Kane (1941)
Título em português BR: Cidadão Kane
Nota: 10 / 10

Direção: Orson Welles
Produção: Orson Welles, George Schaefer
Roteiro: Herman J. Mankiewicz, Orson Welles
Trilha sonora: Bernard Herrmann

Estrelando: Orson Welles, Joseph Cotten, Dorothy Comingore, Agnes Moorehead, Ruth Warrick, Ray Collins, Erskine Sanford, Everett Sloane, William Alland, Paul Stewart, George Coulouris, Fortunio Bonanova, Gus Schilling, Philip Van Zandt, Georgia Backus, Harry Shannon, Sonny Bupp, Buddy Swan, Nat 'King' Cole

Trailer:

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