Monday, December 31, 2018

OPINIÃO: O que significa a vitória de Bohemian Rhapsody para nós? E a alta cultura de forma geral, como fica?

31 de Dezembro de 2018. Último dia do ano! Antes de mais nada, feliz ano novo, pessoal! Seguindo a tradição que estou acostumado a fazer aqui nesses quase 4 anos de blog, trago desta vez uma reflexão de cunho mais pessoal, e por ser mais pessoal é que achei conveniente, já que este ano foi bem marcado pelo cinema aqui no site. Fica também sendo este o meu tributo à maior banda do universo de todos os tempos, o Queen.

Recentemente, a cinebiografia Bohemian Rhapsody ganhou o posto de maior cinebiografia do mundo, ultrapassando o primeiro colocado Straight Outta Compton. Bom, eu não assisti Straight Outta Compton (e sinceramente não me interessa assistir porque eu não sou fã de rap) então não posso julgar o filme e nem compará-lo com coisa alguma, mas posso te dizer que, independente de quem estivesse lá em primeiro lugar antes, a vitória do filme do Queen significa muito para nós, em diversos sentidos.

Estamos falando de um filme perfeito? Não, logicamente que não é, tem imperfeições sim, tem muitos erros cronológicos sim, e certamente não vai agradar todo mundo, e quem gostou, também o fez de diferentes formas, por diferentes razões e com diferentes lentes da realidade. O modo como Freddie conheceu os caras da banda está errado, eles já eram amigos de colégio no tempo do Smile, eles não venderam uma vã para gravar um disco, a parte que mostra que eles ficaram afastados por um tempo antes do Live Aid está incorreta, eles nunca se afastaram, até lançaram o disco The Works naqueles dias, ou licenças poéticas que o filme toma como as inspirações de Freddie para certas músicas e o executivo fictício Ray Foster da EMI (levemente baseado na pessoa real Roy Featherstone) são imprecisas no filme, enfim, este sou eu, ignorando aquele fã fanático que deu nota 10 para o filme em 7 de Novembro e trabalhando em prol da verdade. Então sim, o filme tem erros e não é perfeito de forma alguma.

Mas é aí que eu volto e reforço aquela máxima das cinebiografias. Eu sempre falei e continuarei falando até morrer: filme é filme, fato é fato. Quer realmente aprender a fundo sobre o Queen, sobre Freddie Mercury, sobre o Rock? Leia biografias, assista documentários e entrevistas antigas, ouça a música deles, assista shows históricos e demais shows, veja notícias da época, fale com os próprios Brian May e Roger Taylor sobre o assunto enquanto ainda estão vivos, se possível; mas não se baseie apenas em um filme para expôr sua opinião sobre a banda, por melhor que o filme seja. Filme é bom ter, catalisa a curiosidade para descobrir coisas maiores, mas é só o ponto inicial da estrada para quem não conhece do assunto; é a ponta do iceberg. Se você for se basear em qualquer cinebiografia para falar sobre algo ou alguém, você vai se lascar de verde e amarelo.

Dito tudo isso, o significado deste filme ter ganhado o topo do mundo é grandioso. Primeiramente porque se trata do Queen, para mim, a melhor banda de Rock da HISTÓRIA, e segundo pela sensação de esperança que isso me traz no restabelecimento da alta cultura. Sim, porque apesar do Queen não ser parte da alta cultura, e sim da cultura popular, eles são uma banda que tem um pezinho lá na alta cultura, bebem da fonte dela também, e podem levar o indivíduo a ela.

É o próprio filósofo Roger Scruton que define o conceito de alta cultura: tudo aquilo que tem apuro técnico, levando-se em conta a tradição e a beleza. Música erudita por exemplo, faz parte desse meio, Beethoven, Mozart, etc. Scruton também diagnosticou recentemente, agora em 2012, que a alta cultura está sendo corrompida por uma cultura de falsificações, portanto, devemos agir rápido.

E a cultura popular, que envolve toda e qualquer manifestação cultural popular de indivíduos da sociedade dependendo de região e costumes, é onde se enquadra muitas coisas que eu descrevo aqui no site, o Rock e o Metal sendo algumas dessas coisas. Portanto, podemos dizer que o Queen é o tipo de grupo que tem um pé em cada um desses mundos, e pode servir de ponte para levar uma pessoa a continuar consumindo cultura popular, mas fazer com que ela também descubra o belo e tradicional, como foi o meu caso.

Enfim, todo mundo é um crítico e as opiniões divergem, mas todos nós concordamos em relação à importância monstruosa que o Queen tem para o Rock e a cultura popular e mundial. E isso justifica meu primeiro argumento. Se trata da criação de uma das facetas da cultura que temos de mais importante e essencial como um todo. Músicas e mais músicas da banda sempre foram e ainda são entoadas por milhares e milhares de pessoas ao redor do globo. E olha, eu defendo que a gente tem que olhar para o futuro e curtir bandas novas boas quando aparecem, eu mesmo divulgo algumas por aqui, mas a memória de grupos como o Queen tem que ser preservada ao mesmo tempo que olhamos para o que há de vindouro.

E se você pensar que um graduado em design que trabalhava como transportador de cargas viria a se tornar a maior voz de todos os tempos, a ponto de se juntar em um determinado ponto de sua carreira para cantar com uma soprano, a grande Montsetrrat Caballé começa a imaginar o quão maravilhosa é essa mensagem para qualquer pessoa. O próprio encontro de Mercury com a soprano em sua carreira já é por si só um bom exemplo do encontro daquilo que é mais popular com aquilo que está em um degrau que parece inatingível culturalmente para algumas pessoas.

Freddie Mercury, mesmo depois de descobrir a AIDS, não perdeu o seu pique, o seu carisma, e continuou manifestando a todos a mesma vontade de viver e dar o seu melhor, não importando as circunstâncias. Claro que Freddie não foi nenhum exemplo de vida pessoal, o cara teve seus defeitos e falhas, tinha um ego considerável, dava seus tropeços, e como diz a canção, "teve sua porção de areia chutada na sua cara" mas também chutou areia de volta, poderia ter tido um destino bem diferente em sua vida pessoal, e se tivesse se cuidado melhor, poderia estar vivo até hoje; mas como artista de alto calibre que era, teve e ainda tem essa capacidade enorme de cativar e inspirar as pessoas a darem o seu melhor, mesmo anos após sua morte.

Como pode ver, não estamos falando de nenhum bobalhão global de meia pataca, mas sim da nata da nata da história da música. Um cantor e performer sensacional, sem precedentes, e uma banda tão criativa e ousada, que chama a todo artista iniciante que quer alcançar o Olimpo a se espelhar nela.

Eu ainda lembro como as salas de cinema de minha cidade se encheram para ver a cinebiografia de Johnny Cash, Walk the Line. Aquilo certamente foi lindo de se ver. Mas o Queen? Meu caro, o frenesi está sendo muito grande. Quer seja você um fã afoito e confesso da banda como eu daqueles que entoa épicos obscuros como "Great King Rat" ou "The March of the Black Queen", quer seja você um curioso que conheça apenas "I Want to Break Free" e "We Will Rock You", não importa! O Queen, e seu showman, Freddie, estão cristalizados na memória popular de todos de maneira indelével já por muito tempo, e creio que isso nunca vai mudar.

Quando eu assisto shows e performances do Queen, ou de qualquer outro artista clássico, eu nunca deixo de me perguntar várias coisas: "puta merda cara, como foi que chegamos em uma realidade em que os velhinhos são melhores e mais legais do que esses jovens imbecis de hoje? Como foi que a cultura musical de massa ficou tão feia, tão horrenda, tão... emporcalhada? Como?? Como foi que deixamos chegar a esse ponto, gente?" Talvez essas sejam daquelas perguntas que a gente nunca vai conseguir responder com precisão, e é melhor deixar pra lá e seguir em frente com a vida.

Hoje em dia, eu sei porque chegamos a esse ponto. O processo de destruição cultural e moral não só no Brasil, mas a nível mundial, foi grande demais e devastador. Ideologias contribuíram para essa destruição, perda de valores eternos e esfacelamento da alta cultura também entram no processo. No ponto que nós chegamos hoje, o pensamento dominador é simples: quanto pior, melhor. Foi assim que chegamos a este triste quadro da atualidade em que pessoas não conseguem mais distinguir o bom e o ruim. Como tudo é considerado como "cultura", então perdem-se os valores elevados, pois tudo se iguala. É triste e desolador ver isso.

Portanto, a gente conhece hoje o processo que nos trouxe até aqui neste retrocesso cultural enorme das duas últimas décadas. Mas o porquê de termos deixado isso acontecer, talvez é algo que jamais alguém poderá responder, ou porque não tem como saber ao certo, ou porque a realidade é cruel e devastadora demais para sequer mencionarmos ela.

E eu não vou dar uma de hipócrita por aqui e ficar dizendo que eu ouço música erudita todos os dias, porque isso não é verdade. Se você entrar na minha casa, vai me ver ouvindo hard rock , metal ou jazz e blues, amigo, eu sempre falei e continuo falando, eu sou um enorme fã da música do século XX; eu gosto é de Rock! Ouço Beethoven, Mozart, Bach, sei apreciar livros clássicos ou uma bela pintura? Claro! Eu sei lidar com a alta cultura justamente por conhecê-la, ter acesso a ela? Sim, sei! Quando dá vontade, eu sempre volto nos vinis e cds de música erudita com seus adágios e interlúdios, sempre gostei muito do Beethoven, por exemplo. Mas é a música popular de qualidade que realmente me atrai. No entanto, eu sei também que a alta cultura nos possibilita guardar os valores eternos e preservá-los, saber diferenciar o belo do feio, o bom do ruim, o agradável do obsceno.

Em meio a tudo isso, este filme me dá um fiapo de esperança de que o futuro será um pouco melhor. Eu tenho reparado que as pessoas tem mudado de postura. Não que elas estejam necessariamente mais sábias para poder diferenciar o bom do ruim, isso a gente só vai saber depois de algum tempo, mas o fato de esta cinebiografia ter chegado em primeiro lugar no ranking de maior bilheteria já pode representar um grande passo nesse sentido de mudança de postura.

As pessoas se interessaram em ver a história do Queen pelas mais variadas razões, seja por serem fãs, seja por curiosidade, seja porque um dia foi moda, seja porque o amigo do amigo foi ver e "vish, eu não posso ficar de fora na roda de conversa", ou seja lá por que cargas d'água você foi, mas saiba disso: a alta cultura está nos entremeios da obra do Queen. Não só do Queen, claro, mas é um ótimo começo. E veja só: a banda desafiou convenções musicais em seu tempo, trazendo a rispidez do Rock para junto da pompa da música clássica e operística. Aí estão obras-primas como "Bohemian Rhapsody", "Innuendo", "Princes of the Universe", "The March of the Black Queen", "The Prophet's Song", "Who Wants to Live Forever", "Teo Torriatte", "Liar", "Somebody to Love" e outros tantos e inúmeros clássicos do grupo que não me deixam mentir.

Portanto, o Queen pode ser aproveitado neste sentido de reconectar as pessoas com um conhecimento popular que seja bom, que possua altíssima qualidade, no caso a música do Queen, para servir como um entretenimento de altíssima qualidade e padrão, e também como ponte para levar as pessoas a conhecerem algo da alta cultura. Talvez até mesmo inspirar as pessoas cada vez mais em explorar a sua própria cultura e voltar para conhecerem outras coisas.

Eu me recordo como que no passado as pessoas se orgulhavam disso. O pessoal de antigamente se vangloriava de conhecer elementos da alta cultura, até esnobavam seus conhecimentos. É por aí também que conseguimos ver o quanto as pessoas foram destruídas culturalmente nas últimas décadas. As pessoas tem que voltar a se sentirem orgulhosas de conhecerem coisas grandiosas, transcendentais. Elas tem que voltar a admirar o que é belo. Acho que é esse um dos caminhos que permitirá que nós possamos reconstruir o que foi a muito demolido em nossa sociedade, e voltarmos a ser um povo grande outra vez. Eu tenho muita esperança de que nos próximos anos, essa transformação tão necessária para os povos de nosso mundo, seja aqui no Brasil ou em qualquer outra parte do mundo, comece a acontecer. Vamos voltar a buscar valores elevados novamente, pessoal.



Desta forma, me despeço desejando a todos um grande e feliz 2019, cheio de esperança, otimismo, realizações, e muita coisa boa. Fiquem com Deus, e nos vemos no ano que vem!


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