Thursday, February 21, 2019

NO CINEMA: The Mule

9 / 10
Novo filme do quase nonagenário ator Clint Eastwood, The Mule, emociona e causa reflexão a partir de um artigo de jornal.

Confira minha opinião!

Título brasileiro: A Mula
Direção: Clint Eastwood
Estrelando: Clint Eastwood, Bradley Cooper, Laurence Fishburne, Michael Peña, Dianne Wiest, Andy García, Alison Eastwood, Taissa Farmiga, Ignacio Serricchio, Loren Dean, Victor Rasuk, Manny Montana, Clifton Collins Jr., Noel Gugliemi, Robert LaSardo, Eugene Cordero, Jill Flint, Paul Alayo, Lee Coc, Katie Gill, Sparrow Nicole, Scott Dale, Joe Knezevich, Charles Lawlor, Saul Huezo, Daniel Moncada, Austin Freeman, Jackie Prucha, Lobo Sebastian, Diego Cataño, Devon Ogden, Lee Coc, Monica Mathis, Ashani Roberts


"Família é a coisa mais importante do mundo".

Eu nunca duvidei disso, e Clint, do alto dos seus 90 anos, vem reforçar esse valor para nós. Uma vez ele falou que iria se despedir das atuações e apenas dirigir filmes no final de sua vida, mas eis que a lenda reaparece aqui novamente para nos dar esse grande presente que ele preparou para nós no decorrer do ano passado.

O personagem dele, e a história que ele vai nos apresentar são baseados em um artigo de jornal escrito em 2014 por um jornalista do The NY Times, muito bem escrito, eu li o artigo todo antes de assistir este filme; leva mais ou menos uma hora para você ler toda a história, mas se você tiver um tempinho hábil, leia, é muito interessante, trata de um velho de 87 anos chamado Leo Sharp, que em 2012 foi flagrado com drogas na sua caminhonete Lincoln, e depois disso foi preso durante uns três anos porque era veterano da II Guerra Mundial, e nos Estados Unidos tem a lei da misericórdia para veteranos de guerra e pessoas de idade, portanto ele ficou na prisão até 2015 e morreu de complicações de saúde em 2016.

Estes são os fatos, e Clint Eastwood usa esta história interessante para nos contar sobre o seu personagem fictício, baseado em Sharp, o personagem chama Earl Stone, um nome bastante criativo para fazer referência à figura real, e na história fictícia, o que Clint Eastwood vem nos trazer é justamente uma mensagem há muito subestimada por esta geração de agora: o valor da família.

O nome do filme não faz referência à "mula" animal. No mundo dos cartéis de drogas, "mula" é um termo para designar o transportador da mercadoria, portanto o nome do filme é uma referência ao próprio protagonista. Claro, não que o personagem interpretado aqui não tenha sido uma "mula", no caso, termo para designar um idiota mesmo, mas a ideia principal não é essa.

Enfim, Clint se usa da história do cartel de drogas do personagem real para nos trazer essa reflexão sobre as relações familiares, portanto a história é a seguinte: você tem um cara que nunca levou a sério a sua família, ou pelo menos nunca considerou que ela tivesse primeiro lugar na sua vida, e o personagem vem reforçar, depois de passar muito tempo e muitos apuros, que a família é o que tem que vir primeiro, e o trabalho, o que tem que vir em segundo, então no começo do filme você tem ele faltando no casamento da própria filha e recebendo um prêmio de horticulturista em 2005; o personagem real, Leo Sharp, era horticulturista também, e cultivava lírios, uma flor muito rara e de muita beleza nos Estados Unidos.

Clint se utiliza dessas características reais para trazer para ficção, e para o seu personagem, essa temática, quando ele se vê sem dinheiro, com sua casa sendo hipotecada, sem lugar para ficar, ele resolve fazer uns trabalhinhos para umas pessoas estranhas. Ele dirige uma caminhonete, e um belo dia, em uma de suas corridas, ele descobre que o trabalho envolve transporte e tráfico de drogas, mas ele fica silencioso quanto a isso e realiza o trabalho normalmente, como se fosse qualquer outro serviço de transporte. Ele vai fazendo isso durante muito tempo, e no meio do filme, vemos o personagem tentando se reaproximar da sua família, e tentando recuperar o tempo perdido, até o ponto em que ele percebe o quanto de tempo ele perdeu no meio dos seus serviços e das suas outras atribuições, para ser alguém na sua vida profissional, ao invés de ser alguém na sua própria família, e esta é a belíssima lição que Clint Eastwood vem nos trazer, saindo da sua aposentadoria como ator.

Fazendo um paralelo, pegue como base um dos últimos filmes em que ele atuou de fato, a obra-prima Gran Torino. Foi um filme onde o ator mostrou a sua força, mesmo em uma condição de fragilidade em relação à sua idade; aqui em The Mule, é o contrário, ele mostra toda a sua fragilidade em contexto geral, mesmo sendo um veterano de guerra no filme; o personagem real também era um veterano de guerra.

Pois bem, além de todas essas coisas, Eastwood gasta um tempinho do filme também para fazer uma belíssima e bem colocada crítica aos aparelhos de telefone celular e ao exagero que as pessoas tem hoje usando-os, e nessas pessoas, eu mesmo me incluo, porque só quem usa hoje sabe como o negócio vicia, ao ponto até de você esquecer de viver a própria vida real, coisa que eu mesmo hoje estou procurando fazer com mais frequência.

No começo do filme, ele está em uma convenção, e ele vê pessoas lá usando a internet e fala o seguinte: "quem precisa de internet?" Claro, ele é uma pessoa velha e um tanto ranzinza, ele realmente não vai se afeiçoar a esse tipo de coisa, esse tipo de facilidade, mas a coisa vai ficando mais séria e vai começando a tomar muito mais contornos quando ele vê outras pessoas usando os seus aparelhos celulares por qualquer motivo que seja. E aí ele solta uma frase para o policial interpretado pelo Bradley Cooper, falando o seguinte: "essas pessoas não tem mais nada que fazer da vida a não ser usar os seus malditos telefones celulares?

Em uma só tacada, em um só filme, Eastwood nos traz duas maravilhas de críticas: aos exageros em se usar a tecnologia que nós temos hoje, que é realmente uma tecnologia que pode nos dar muitas vantagens, mas mesmo assim as pessoas exageram e muito, e ao mesmo tempo ele prova em sua argumentação, usando o mecanismo do traficante de drogas da história real, que a família, esse valor hoje em dia tão perdido pelos jovens da modernidade, é de suma importância.

E se formos filosofar um pouco mais além, podemos achar aí, implícita, a ideia de que os aparelhos de telefones que carregamos hoje em nossos bolsos, podem nos viciar tanto ao uso constante, quanto as drogas que seu personagem distribui em suas viagens. Não sei se houve intenção premeditada de fazer isso, mas não é muito difícil de juntar as ideias, é só saber somar dois mais dois. O mesmo podemos afirmar em relação ao cenário da produção. Todos nós sabemos que os EUA vem enfrentando problemas em sua fronteira sul com o México. Seria essa uma ferramenta que o ator/diretor achou de trazer o problema à tona? É uma divagação minha, mas existe esta possibilidade, até mesmo se formos pensar que Clint Eastwood é um apoiador do Presidente Donald Trump. 

Enfim, deixando essas divagações de lado, eu só tenho que agradecer ao senhor Clint Eastwood, por todas estas reflexões que ele nos proporcionou durante esta projeção! Mais uma vez, Clint Eastwood mostra porque eu sou tão fã dele, porque eu gosto tanto de seu trabalho e da sua carreira, ele está sempre nos proporcionando ótimos filmes e ótimas reflexões. E ao mesmo tempo eu achei de muita coragem o Clint, um cara que sempre representou tipos durões, se dispôr a fazer uma figura agora tão fragilizada em sua condição, tanto pela idade, quanto pela situação de vida.

O final da projeção chegou a me emocionar até. Eu sei que seu personagem é conivente com a bandidagem do cartel de drogas, e que merece o destino que terá no final, mas no fim das contas, trata-se de uma pessoa sensibilizada pela sua própria situação, tentando chegar a termos com sua própria história. É como se o Clint, implicitamente, estivesse se confessando na projeção, assumindo os seus próprios erros durante sua vida, ao invés de mostrar aquela figura imponente que ele mostrava em Gran Torino e outras produções. Aqui, ele se desvencilha dessa figura durona, e mostra a sua própria fragilidade, e o final do filme acaba voltando lá no começo; não que o final seja o começo, mas o final do filme rima com aquilo que nós vimos lá no início em relação à horticultura, aos lírios e à sua grande paixão antes de se envolver com tráfico de drogas.

É realmente uma produção muito boa, e tem um grande ensinamento a nos passar. Muito bem filmada e dirigida por Clint, como sempre. Não que seja uma obra-prima, longe disso, comete uns deslizes aqui e ali, mas o Clint é um cara que, do alto de seus 90 anos, já não precisa provar mais nada a ninguém, porque ele sempre me impressiona com a sua honestidade em seus filmes.

Eu recomendo para vocês que vão prestigiar mais uma vez este medalhão do cinema. Clint já havia trabalhado com Bradley Cooper em American Sniper, outro filmaço da carreira dele, mas não atuando. Olha, eu me emocionei no final, mesmo sabendo que o personagem dele não é exemplo de vida para ninguém, mas mesmo assim, eu me emocionei com toda a história, com toda a narrativa, e eu recomendo muito que você vá assistir este filme. Clint Eastwood, no fim das contas, ainda consegue nos emocionar e nos fazer refletir de forma muito bacana. Aproveitemos o cara, enquanto ele ainda está aqui entre nós, porque sua idade avançada não vai fazer com que dure por muito mais tempo. Obrigado, Clint, por me fazer refletir mais uma vez em uma grande história sua.

The Mule (2018)

Produção: Clint Eastwood, Dan Friedkin, Tim Moore, Kristina Rivera, Jessica Meier, Bradley Thomas
Roteiro: Nick Schenk, Dave Holstein (inspirado no artigo escrito no jornal The New York Times chamado The Sinaloa Cartel's 90-Year-Old Drug Mule, por Sam Dolnick, de 2014)
Trilha sonora: Arturo Sandoval

Trailer:

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