Friday, February 8, 2019

MATÉRIA: Trilogia Tebana - Sophoklēs

Esta não se trata de uma resenha. Não é uma resenha, porque nada está sendo avaliado aqui, e pelo motivo de que eu mesmo não me permito, em hipótese alguma, prestar julgamento em relação a obras tão ilustres.

Tenho uma política pessoal no meu site: materiais clássicos como estes, que representam unanimidade no conceito estético de beleza mundial e exercem influência enorme na moral e na sabedoria, especialmente a ocidental por mais de dois milênios, jamais devem passar pelo senso de julgamento de um pobre coitado como eu. Portanto, trata-se mais de uma indicação de leitura de obras clássicas que moldaram o pensamento do homem moderno.

Dentre as coisas que sempre me interessaram na literatura foram os contos gregos; um grande exemplo disso seria o dramaturgo Sófocles que era como se fosse o Shakespeare da época heroica da Grécia. A estrutura de peça da história é bem parecida, dá pra ver que Shakespeare se inspirou bastante em Sófocles para suas histórias, pois há temas em comum, e ambos escrevem tragédias, cada um a seu modo e em seu próprio tempo, e também ambos ecoam no imaginário das pessoas até os dias de hoje, tamanha é a importância do que fizeram em vida.

Sófocles escreveu muitas peças, mas muitas delas foram perdidas e não conseguiram chegar nos dias de hoje; três dessas peças que sobreviveram se encontravam em posições diferentes naquela época, ou seja, pertenciam a trilogias diferentes que Sófocles tinha escrito, no entanto, estas foram algumas das poucas obras de Sófocles que sobreviveram, e por isso foram realocadas em uma proposta de continuidade à qual se convencionou chamar de Trilogia Tebana, obviamente porque as narrativas se concentram na antiga cidade de Tebas. Estas peças são as seguintes: Ἀντιγόνη (Antígona), Οἰδίπους Τύραννος (Édipo Rei), e Οἰδίπους ἐπὶ Κολωνῷ (Édipo em Colono).

Antes que eu passe o ano inteiro sem falar de livro algum, aqui vai uma trilogia que eu acho que muitas pessoas que gostam de histórias dramáticas e dramaturgia deveriam ler, assim já estarei recomendando três ótimas leituras para o início do ano. Estas peças também contém algo do pensamento grego que influenciou muito a cultura ocidental da qual nós conhecemos hoje, até mesmo no que tange a leis e compasso moral; claro, há grandes hipérboles da realidade nessas peças, o número exageradíssimo de mortes é um exemplo, e é o que, no fim das contas, norteia as tragédias gregas. Mas, por outro lado, há também a questão da moralidade a qual se trata aqui nestas histórias.

A trama geral destas três peças estão fora de ordem cronológica: a primeira delas, Ἀντιγόνη, o primeiro volume da trilogia, é na verdade a última parte da história cronologicamente, enquanto que o segundo livro, Οἰδίπους Τύραννος, é a primeira parte, e Οἰδίπους ἐπὶ Κολωνῷ é a continuação dela. Eu tomei um bom tempo para ler e reler as três partes, porque até o presente momento, a única que eu conhecia de fato era a segunda.

Fui estimulado a ler Οἰδίπους Τύραννος após ter assistido o famoso filme sul-coreano 올드보이 (Oldboy), de Park Chan-wook, cujo personagem principal seria uma espécie de Édipo do mundo moderno. O fascínio pelo filme e a conexão dele com este famoso conto grego me fez lê-lo, mas eu não havia lido ainda Ἀντιγόνη e Οἰδίπους ἐπὶ Κολωνῷ. Assim como a trilogia da vingança de Chan-wook, onde 올드보이 é a melhor e mais famosa parte, Οἰδίπους Τύραννος também é a mais conhecida parte desta trilogia de Tebas.

Vou tratar aqui na minha análise de pontos-chave das histórias, porque não há razão para ficar escondendo partes de narrativa de algo que foi escrito muito antes até da vinda de Cristo, mas eu garanto que isso em nada irá atrapalhar sua leitura.

Ἀντιγόνη
(Antígona)

No primeiro livro, Ἀντιγόνη, vemos um dilema moral entre a personagem-título e sua irmã Ismene, relativo a seus dois irmãos, Etéocles e Polinices. Os quatro personagens citados são filhos e filhas de Édipo, personagem que deu origem a todo o conflito, sendo os dois últimos, homens. Eles se enfrentam mortalmente pelo poder na cidade de Tebas, e acabam se matando, e o que acontece é que Antígona, irmã dos dois, confessa à sua irmã Ismene que quer dar a Polinices um enterro digno, indo de encontro à lei, porque o novo Rei Creonte, de personalidade meio dúbia, determinou que Etéocles fosse enterrado com honras, mas o corpo de Polinices ficaria ao relento, para os abutres e vermes, porque ele era um rebelde e opositor político de Eléocles, e deixar o corpo exposto assim era uma forma terrível de punição e uma vergonha.

Chega até a ser gozado ver este comportamento ambíguo do Rei Creonte, recaindo inclusive num dos trechos do livro que mais me chamaram a atenção pelo seu teor assustadoramente "atual", uma fala dele, que diz o seguinte: "Quanto a mim, quem dirige o Estado, se não se apega aos melhores conselhos, mas por receio trava a língua, parece-me ser o pior agora e sempre. E quem, acima da pátria, estima o amigo, declaro-o ninguém, pois eu, saiba-o Zeus que sempre tudo vê, não silenciarei percebendo a ruína ameaçar os cidadãos, nociva ao bem-estar. Um homem mal-intencionado para com a cidade jamais declararei amigo, sabendo isso que ela me proporcionou o bem e navegando nela corretamente faremos amigos; com estes princípios engrandecerei esta cidade." E é justamente isso que ele faz com Édipo, quando a revelação do segundo livro vem à tona. A parte gozada é ver Creonte sendo o arauto da moralidade, mas ao mesmo tempo, ver que suas ações por vezes não trazem algum benefício, pois Tebas ainda está em pé-de-guerra. No entanto, gosto muito do teor e conteúdo da frase e tenho ela de cabeceira em minha companhia. A sabedoria grega é preciosa demais para ser jogada fora.

Enfim, Creonte dá seu decreto em relação aos restos mortais de Polinices. Só que Antígona vai lá, pega o corpo do irmão e o enterra simbolicamente, o que enfurece Creonte, fazendo com que Antígona seja aprisionada por seu feito; ela representa uma figura mais anárquica na peça, muito como Creonte, mais rebelde e não cumpridora da lei quando acha que ela não é justa, ao passo que Ismene representa a dita "cidadã de bem" de Tebas, ela se compadece da irmã, mas não tem a mesma fúria rebelde que ela. Ismene tenta se colocar de cúmplice, mas acaba sendo aprisionada junto à sua irmã, e após muito drama, o cego profeta Tirésias diz que os deuses estão desgostosos por Creonte ter feito o que fez, e que se não enterrar Polinices, será castigado; seu filho, Hêmon, é pretendente de Antígona, e o que acontece é que ela está condenada a ser enterrada viva, uma vez que Creonte pensou que isso não seria matá-la diretamente. Com medo, Antígona se enforca, Hêmon tenta cometer parricídio, mas acaba se matando, e Creonte lamenta a morte do próprio filho, se culpando de suas próprias ações. Cronologicamente, este é o fim de tudo.

Os próximos dois livros serão então dois prelúdios para esta história.

Οἰδίπους Τύραννος
(Édipo Rei)

Οἰδίπους Τύραννος (também conhecido como Édipo Tirano, dependendo da tradução) é o início de toda narrativa; trata-se da famosíssima história de Édipo, que nasceu em Tebas, onde os seus pais originais tiveram que abandoná-lo, foi adotado por outros pais em Corinto, veio a se tornar Rei e a se casar com Jocasta, irmã de Creonte, somente para descobrir logo depois, através do profeta cego Tirésias, que Édipo iria se casar e ter filhos em uma relação incestuosa com sua mãe biológica Jocasta, e matar seu pai biológico, o rei Laio, a quem substituiu em Tebas como rei.

Laio temia a concretização de uma maligna profecia de Delfos, para que não tivesse filhos com Jocasta ou seria perseguido pelo nefasto destino, portanto, resolveu dar seu filho Édipo embora, antes da profecia se concretizar. Porém, o destino joga sua carta e ganha de Laio, e a profecia se concretiza. Quando a morte de Laio é anunciada, um cidadão é chamado por Creonte para assumir como Rei de Tebas, e Édipo se oferece para resolver o enigma da Esfinge e libertar a cidade, se tornando o novo Rei.

Acontece que Édipo é orientado por seu senso de justiça e por achar que é alguém acima da média, livre de pecados. Sua esposa / mãe também acredita nisso, e portanto defende e segue seu marido / filho, ambos completamente alheios à mão sorrateira do destino. A investigação de Édipo, querendo saber de suas próprias origens, o acaba conduzindo à terrível verdade, e pondo um fim ao seu reinado e a sua felicidade. Sua mãe Jocasta não suporta o peso de tudo, e comete suicídio se enforcando, e Édipo ao presenciar isso, após urrar e sofrer muito, pega os colchetes de ouro que ornavam o vestido de Jocasta e os enfia nos próprios olhos, se cegando. Depois disso, Creonte assume o reino e Édipo quer sair dali, tomado pela tristeza de sua própria tragédia acidental. Há uma moral bastante interessante aqui, uma vez que somos levados a filosofar em torno da pureza de cada homem. Como será que isso pode ser medido? E se o destino nos pregar peças, o que há de se fazer? A sabedoria sofocliana nos orienta em torno disso: "guardemo-nos de chamar um homem feliz, antes que ele tenha transposto o termo de sua vida sem ter conhecido a tristeza".

O termo "tirano", que é o título original em grego, não tem uma conotação negativa. Naqueles tempos, tirano significava "governante", justificando portanto a tradução mais conhecida, Édipo Rei.


Οἰδίπους ἐπὶ Κολωνῷ
(Édipo em Colono)

Finalmente, chegamos no último volume da trilogia, que dá sequência à história anterior e preludia o primeiro livro. Nesta última história, vemos Édipo em uma situação delicada; ele foi expulso de Tebas pelo seu próprio filho, Polinices, e vagueia por Colono, perto de Atenas, sendo guiado por sua filha Antígona, pois está cego.

Nesta história, temos outra profecia, de Apolo. Ela diz que Édipo iria morrer em um lugar sagrado às Erínias, ou Fúrias, as deidades da vingança, também conhecidas como deusas infernais; neste lugar, a morte de Édipo havia de ser uma bênção para o lugar. Acontece que o coro dos anciãos, não quer Édipo no lugar por ele ser filho de Laio, fazendo dele e de sua filha os indizíveis, os malditos.

Este coro é acalmado pela decisão do Rei Teseu de receber o imigrante, enquanto a outra filha / irmã de Édipo, Ismene, chega à cavalo, e relata a confusão de Polinices e Etéocles, lutando em lados opostos pelo domínio de Tebas. Contrário a seus filhos homens, as duas meninas o tratam com carinho, e o povo de Colono resolve acolhê-lo amistosamente, o que faz com que Édipo rogue pragas a seus filhos. Ele se alia com Teseu e pede para protegê-lo de Creonte, o que me lembra um fragmento do livro que me chamou bastante a atenção: "Infladas pela cólera as ameaças com frequência se propagam como palavras vãs, mas logo que o espírito retoma o seu domínio elas desaparecem. Se essas pessoas creem-se bastante fortes para tentar amedrontar-nos propalando que têm poderes para levar-te daqui, poderão confrontar-se em seu cometimento com um mar imenso e, mais ainda, intransponível." Parece tão atual!

Enfim, contrário ao coro dos anciãos, que mantinham uma postura julgadora em relação à Édipo, Teseu o defende mesmo sob o jugo de seu incesto e parricídio, sob o argumento que Édipo não tinha como saber de seus crimes. A escolta de Teseu não adianta muito, porque Creonte se encontra com Édipo e relata que sequestrou Ismene, e irá levar Antígona também. Creonte continua insistindo que Colono não deveria abrigar alguém com os crimes que Édipo tem, o que faz com que Édipo perca a paciência e declare que não é moralmente responsável pelo que fez.

Com a ajuda dos atenienses, o pior não acontece, e Édipo tem suas duas filhas de volta. Polinices aparece, Édipo não quer falar, Antígona o persuade a conversar. Polinices também havia sido expulso de Tebas por Etéocles, mas quer voltar lá e atacar Tebas. Édipo então lhe roga uma frase que antecipa o que acontecerá com os dois irmãos no primeiro livro. Um raio vindo do céu é entendido por Édipo como o sinal de Zeus, de que sua morte estava próxima. Édipo pega as filhas, Teseu, e parte para uma dada região. Ele é confirmado morto por um dos mensageiros, que conta que Édipo desceu para o caminho escuro para Hades, em direção ao rio infernal Estige.

Suas duas filhas choram o fim do pai enquanto Teseu promete manter o lugar da morte de Édipo secreto para que seu país tivesse paz, mas elas voltam para Tebas para ajudarem em uma batalha, e as narrativas de Sófocles terminam aqui. Escrita um pouco antes da morte de Sófocles, esta última peça é a única da coleção que foi produzida pelo seu neto, ou seja, é uma peça póstuma.

Dentre as diversas lições de moral e razão, dignas da sabedoria grega, há coisas que eu admiro, como por exemplo o respeito de Creonte às leis, mesmo que às vezes esse respeito o leve a cometer ações que comprometem o seu bem estar ou a ruína dos que estão a sua volta; claro, o juízo do governante é questionável, muito questionável, mas seu respeito à tradição é louvável. Quanto à Édipo, é a mais perfeita antítese de si mesmo. Não conheço um personagem grego cujo destino tenha sido mais cruel. Ele se desdobra para ser bom, justo, mas sua ignorância total do que se passa acaba por torná-lo um maldito. Se o destino tivesse uma cara, daria para imaginar ele rindo de orelha a orelha do pobre tebano. Não me admira que seus filhos tenham se tornado desajustados sociais após o ocorrido no segundo livro.

As estruturas de narrativa são como eu dizia no começo, na forma de diálogos entre os personagens, com estrutura de peça de teatro, onde o processo de narração e a ação da história se desencadeiam apenas através desses diálogos. O teor narrativo é épico, mesmo em se tratando de assuntos do cotidiano social, muito embora eles tenham um teor bastante pesado, envolvendo disputa entre irmãos, incesto, parricídio, entre outras coisas; mas também há os elementos sobrenaturais e típicos da mitologia grega, evocando nomes de Apollo, Hades, Afrodite, Zeus, Olimpo, e outros personagens folclóricos da antiga Grécia; vale ressaltar que estamos falando de uma época em que os gregos não viam esses deuses como folclore, realmente acreditavam na presença deles.

Para aqueles como eu, que gostam muito da filosofia grega, que leem Aristóteles, Platão, Sócrates e outros antigos filósofos, mas também que apreciam narrativas de ficção grega envolvendo toda esta moral, são livros essenciais para constarem na sua estante. Eles também estão disponíveis pelo Kindle, eu mesmo tenho a edição impressa de Οἰδίπους Τύραννος, mas os outros dois eu consegui ler pelo Kindle, em excelentes traduções. Dois milênios se passaram, os papiros originais já se perderam após tanto tempo, mas essas narrativas ainda norteiam muito daquilo que nós conseguimos identificar aqui no Ocidente como o nosso pensamento, e por isso, vale muito a leitura.

- Ἀντιγόνη (por volta de 441 AC);
Οἰδίπους Τύραννος (por volta de 429 AC);
Οἰδίπους ἐπὶ Κολωνῷ (por volta de 401 AC).

Escritos por: Sophoklēs

No comments:

Post a Comment