Thursday, October 17, 2019

NO CINEMA: Joker

9 / 10
Filme solo do vilão Coringa é uma obra contundente, relevante e que nos faz refletir e nos dá um aviso importante que poucos perceberam. Mas o melhor Coringa live action para mim ainda fica sendo o Heath Ledger!

Confira minha opinião!

Título brasileiro: Coringa
Direção: Todd Phillips

Estrelando: Joaquin Phoenix, Robert De Niro, Zazie Beetz, Frances Conroy, Brett Cullen, Shea Whigham, Bill Camp, Glenn Fleshler, Leigh Gill, Josh Pais, Marc Maron, Sondra James, Murphy Guyer, Douglas Hodge, Dante Pereira-Olson, Brian Tyree Henry, Hannah Gross, Justin Theroux, Gary Gulman


"Muito simples, comissário, fui assistir o filme do Jóquer, do palhaço, do bobo, e comissário, essa fita mostra tudo! Essa juventude de hoje está muito mudada!"

Hehehe, não resisto em citar Feira da Fruta em qualquer oportunidade, mas vamos falar sério agora! Fui assistir Joker, o filme solo independente do Coringa que não tem ligação nenhuma com o DCEU. So tenho que parabenizar Todd Phillips pelo filme. Sério, eu realmente gostei do que vi. Há de se reconhecer, que o melhor Coringa dos cinemas ainda continua sendo o Heath Ledger para mim, sem a menor sombra de dúvidas. Joaquin Phoenix vem com seu Coringa carregado na esteira de interpretações históricas, como a de Mark Hamil nas animações, a de Jack Nicholson, e a do próprio Ledger, principalmente.

O Coringa de Heath Ledger dispensou origens em 2008 e focou em nos entregar uma atuação histórica e absolutamente irretocável em The Dark Knight. A origem do mal não precisa de grandes explicações nessa visão de 2008. É o mal, e pronto, acabou.

Já o Coringa de Phoenix nos provê uma história de origem nova usando-se de vários elementos. Trata-se de uma história original baseada em personagens dos quadrinhos, mas a nova trama em si ficou muito boa. Tão boa, que creio ser necessário acrescentar elementos dela no Coringa das HQs e nos próximos filmes e animações, para ser sincero. Contudo, o filme tem também certos deslizes, mas que não comprometem em absoluto a experiência.

A trama nos apresenta Arthur Fleck. Ele mora com a mãe e tenta se dar bem na vida como palhaço e comediante. Ele vive num barraco localizado nos subúrbios de Gotham City, em uma era pré-internet, e ele é aquilo que a gente chama de underdog, ou seja, aquele sujeito que todo mundo despreza e pela qual ninguém aposta nada. E pior, ele é constantemente maltratado e pisoteado pelos outros.

Como se isso já não bastasse, ele tem uma condição psicológica: ri a toa. Essa eu achei uma sacada de mestre do Todd Phillips, porque pense só, durante anos a gente ficou naquele mistério da razão pela qual o gás do riso não afetava o Coringa, isso nos velhos tempos. Este Coringa do Phoenix tem essa condição, mesmo que ele esteja triste ou com raiva, sua reação fisiológica é rir, gargalhar. Uma estranha condição, eu nunca ouvi falar de algo parecido, mas interessante, e faz sentido para o personagem.

Fleck também assiste um show muito famoso de TV em Gotham, e sempre tem ilusões de um dia poder participar desse show. Só que infelizmente, o cara não prospera. Ele sempre tenta algo, se trata com uma psiquiatra, toma medicações, mas nada resolve.

Ao longo da projeção, a gente vai vendo suas desventuras e tragédias pessoais e até mesmo um arco de história envolvendo sua mãe e o bilionário Thomas Wayne, até ele se transformar naquilo que a gente sabe que ele vai virar, obviamente, no criminoso conhecido como Coringa.

Aqui eu quero apontar um exagero do filme: o excesso de vitimismo. É preciso tomar muito cuidado com essa retórica rousseauniana de que o homem nasce bom e a sociedade o corrompe. Errado. Rousseau se esquece que, uma vez que nós, humanos já nascemos corrompidos, é praticamente impossível nascermos bons. Aprendemos a ser bons ao longo da vida dependendo do ambiente que tivermos contato, ou reforçamos as nossas características corrompidas já inerentes a nós em um ambiente igualmente corrompido. Se Rousseau estivesse certo, o Coringa seria o herói e o Batman seria o vilão, e não é assim.

No filme, temos dois sujeitos sofrendo tragédias pessoais: o próprio Fleck, e o garoto Bruce Wayne, que todo mundo já está careca de saber o que acontece com ele e quem ele virá a se tornar. Veja que o ambiente em que cada um foi criado definiu como cada um deles viria a se portar após suas tragédias pessoais. Isso é bem representado pelo filme, e devidamente inspirado na HQ The Killing Joke, de Alan Moore e Brian Bolland, aquela ideia de "um dia ruim". E um detalhe interessante que foi bem explorado aqui: Fleck vem de uma família destruída e desestruturada; Wayne vem de uma família-modelo. Ponto para o filme que novamente reforçou um traço de todo e qualquer ser-humano psicologicamente sadio: a presença da família. Wayne se torna o Batman como todos sabemos justamente porque sua família lhe foi tirada, desequilibrando também o seu psicológico, mas fazendo suas ações apontarem para o bem, graças a influência de seus pais.

Outro detalhe que me chamou a atenção e eu acho que pouca gente notou: a frase que Fleck escreve em seu caderninho. Ela é assim:

"I just hope that my death makes more cents than my life."

Estamos falando de uma ideia que define a geração de jovens que temos hoje de forma categórica. Vejam: a frase traduzida para o português seria algo como "eu só espero que minha morte faça mais centavos que minha vida."

Vamo parar e analisar isso: "cents" é "centavos", "dinheiro", ou seja, ele diz que espera que sua morte traga mais dinheiro que a sua vida.

Vamos substituir a palavra "cents" na frase por outra de som parecido? Vamos substituí-la por "sense", e refazer a frase:

"I just hope that my death makes more SENSE than my life."

Ou seja: "eu só espero que minha morte faça mais sentido que minha vida."

UAU!

Veja o teor! Isso é um aviso do filme, tá, pessoal? É sério isso daqui! Na sociedade atual que vivemos, os índices de suicídio de jovens estão simplesmente alarmantes. As pessoas estão vendo mais sentido em morrer do que em viver. A depressão é uma coisa que afeta diretamente muitas pessoas em virtude da atmosfera sempre cataclísmica e apocalíptica que as pessoas vivem hoje em dia.

O filme avisa a gente do que realmente está acontecendo com os jovens de hoje em dia: criminalidade, famílias destruídas, censura pelo politicamente correto, drogas, pessoas famosas tendo uma influência altamente negativa na vida desses jovens, e por aí vai.

Todd Phillips em uma entrevista disse que não havia feito um filme mais engraçado porque teria que se blindar da patrulha do politicamente correto. Ele retrata uma realidade alarmante e inaceitável que estamos vivendo: rir virou crime. Vejam só que maluquice! E os jovens, influencidados por essas ideias malucas somente podem entrar em depressão mesmo. O riso cura. O riso alivia. Não devemos nos sentir ofendidos com ele, seja lá a piada que ouçamos por aí. Fica até mesmo isso como aviso para refletirmos: precisamos recuperar a capacidade de rirmos uns dos outros. Precisamos recuparar a alegria que existia antes.

Somente assim teremos condições de trocarmos outras duas palavrinhas da frase do Coringa:

"I just hope that my LIFE makes more SENSE than my DEATH."

Ou seja: "Eu só espero que minha VIDA faça mais SENTIDO do que a minha MORTE."

É ou não é uma boa ideia? Fica aí a reflexão.

Enfim, com referências muito bacanas de obra de Charles Bronson, Scorcese, Charles Chaplin, com piscadelas claríssimas do filme para o Coringa de Heath Ledger (com o lance das máscaras, por exemplo), o Coringa de Frank Miller (a entrevista na TV), e com uma ótima trilha sonora envolvendo artistas como Cream, Frank Sinatra e outros que constantemente se via em animações do Batman por exemplo, Joker é uma produção excelente, recomendada, que nos traz um Coringa relevante, convincente e que nos faz refletir.

Porém, é como eu falei acima: reflitamos sempre com aquele pensamento que é o correto: o Coringa não é herói, mas sim a absoluta antítese disso, não importa o que lhe aconteceu ou não aconteceu. Jamais podemos nos desvencilhar da moral concreta e absoluta que tem que nortear a vida de cada um de nós.

E pra terminar num tom mais leve e com riso, trago de volta a Feira da Fruta:

"- Puta que pariu, Bátima, num acredito em uma palavra disso! Puta que pariu, chefe O'Hara!
 - Comissário, eu e o Robin descobrimos ontem, colocamos essa fita; eu não queria falar nisso, mas a verdade é essa!"

Boa sessão a todos!

Joker (2019)

Produção: Bradley Cooper, Todd Phillips, Emma Tillinger Koskoff, Michael E. Uslan
Roteiro: Todd Phillips, Scott Silver (baseado em personagens criados por Jerry Robinson, Bill Finger e Bob Kane)
Trilha sonora: Hildur Guðnadóttir

Trailer:

4 comments:

  1. Como sempre, excelente análise meu caro! E faço suas minhas palavras. Eu senti que poderiam usar bastante o filme como escudo ideológico para defender a bandidolatria existente no cenário marxista mundial. Mas acho que o filme deixa bem claro, as consequências do mal. Para mim o filme foi o 10/10 de 2019.

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  2. Te todas as críticas que eu li essa foi definitivamente a melhor. Analisou o conteúdo do filme sem ficar focando na cinematografia, trilha sonora( nesses aspectos técnicos) e não ficou criticando o filme pelas várias referências as obras do Scorcese. E concordo com você o Heath Ledger é sim o melhor coringa live action, não só porque ele é um coringa mais puro do que o do Phoenix mas porque ele tinha mais sutileza e era mais impactante ( Minha opinião). Mas muito obrigada por essa crítica maravilhosa. Arrasou!!! Faça uma sobre the dark Knight também.

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    1. Eu já tenho uma do Dark Knight! Valeu! Eis o link: https://acienciadaopiniao.blogspot.com/2015/09/filme-dark-knight-batman-o-cavaleiro.html

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