Thursday, August 15, 2019

NO CINEMA: Once Upon a Time in Hollywood

9 / 10
Novo filme de Quentin Tarantino é divertido, recheado de referências como sempre, e nos traz uma crônica da Hollywood sessentista se utilizando da metalinguagem, numa época em que diversas transformações estavam acontecendo no cenário Hollywoodiano.

Confira minha opinião!

Título brasileiro: Era Uma Vez em Hollywood
Direção: Quentin Tarantino
Estrelando: Leonardo DiCaprio, Brad Pitt, Margot Robbie, Emile Hirsch, Timothy Olyphant, Dakota Fanning, Mike Moh, Damian Lewis, Al Pacino, Kurt Russell, Nicholas Hammond.


Você provavelmente está familiarizado com o termo "crônica". Uma crônica tem por objetivo descrever uma época ou algo que aconteceu em um determinado momento da história através de um texto em prosa. Ela pode se utilizar também de suposições e elementos fictícios para descrever e retratar a época em questão. Dito isto o novo filme de Quentin Tarantino, Once Upon a Time in Hollywood, pode muito bem se assemelhar a uma crônica da Hollywood dos anos 60. Como sempre, encontramos todos os elementos do cinema tarantinesco neste filme, porém Tarantino desta vez resolveu fazer algo um pouco mais diferenciado do que ele geralmente faz, até mesmo para que a narrativa dele se assemelhe a essa estrutura de crônica. Muitos elementos que reconhecemos mais do cinema do diretor você vai ver somente aparecerem mais para o final da projeção, enquanto outros, menos notados, aparecerão durante ela.

No filme, vemos personagens fictícios misturados a elementos reais e personagens também reais da década de 60, como por exemplo, Bruce Lee, Steve McQueen, e outras personalidades da época interagindo com a ficção. Muito embora sejam personagens fictícios, Rick Dalton (DiCaprio) e Chris Booth (Pitt) não deixam de serem inspirados em figuras reais, respecivamente o ator Chuck Connors, famoso pela série de faroeste The Rifleman, e o dublê Hal Needham, amigo íntimo do ator Burt Reynolds à época. Margot Robbie interpreta a atriz Sharon Tate, que existiu realmente, teve uma morte trágica, e era esposa do cineasta Roman Polanski. Como você pode notar o filme deve ter saído bastante caro com esse elenco, o que inclui também algumas participações bem breves, Kurt Russel interpretando o personagem fictício Randy e Al Pacino, como o produtor da vida real Marvin Schwartz, em papéis bem secundários, mas também muito importantes. Meu destaque pessoal também vai para o ator Mike Moh, que personificou perfeitamente o icônico ator de ação Bruce Lee, se envolvendo até mesmo em uma treta com o personagem de Pitt.

O filme começa apresentando o personagem de Leonardo DiCaprio para o público, que faz um ator em ascensão na Hollywood sessentista, atuando em filmes e produções de faroeste e alguns comerciais para TV. As referências musicais da cultura popular da época saltam aos olhos. Você tem desde as bandas de rock dos anos 60, como o Deep Purple em sua formação original, com o vocalista Rod Evans, na música "Hush", você tem Paul Revere & the Raiders na música "Hungry", Simon & Garfunkel na sua famosa "Mrs. Robinson", você tem o Vanilla Fudge com "You Keep Me Hangin' On", e até mesmo uma interpretação diferente do clássico "California Dreamin'" em uma versão mais lenta, entre muitas outras coisas. Você tem séries de TV como Bonanza, FBI, o filme The Wrecking Crew, referências claríssimas a Easy Rider, e muitas outras coisas. Essas referências já são esperadas no cinema tarantinesco, que sempre vem recheado de referências da cultura pop.

A diferença é a forma brilhante com que o Tarantino faz com que essas referências interajam com os personagens dele, para formar a malha narrativa do filme. A metalinguagem é uma palavra de ordem a ser usada aqui, pois trata-se basicamente do cinema falando sobre ele mesmo. Uma coisa que eu realmente gostei muito, estava pensando esses dias que poderíamos ter mais produções como essa, até mesmo para fugirmos um pouco às vezes da cansativa fórmula de filmes de super-heróis que está na moda hoje.

Em meio a essa crônica, vamos conhecendo a trajetória de Dalton para se tornar um ator famoso, e ela fica sendo uma coisa muito interessante no filme, uma das cenas mais doces, acreditem, é uma cena de um filme que ele está gravando e contracenando com uma menininha atriz, e a interação deles em toda projeção, e até mesmo o bate-papo deles antes disso, é um momento dramático bem legal e revelador.

Também muito divertido é o arco dramático do dublê e motorista de Dalton, Booth, que também está tentando vencer no ramo. O cara até conhece uma menina lá dos hippies da época e tem a chance de dar uns tabefes nesse povo. Se alguém não está familiarizado, os hippies eram umas desgraças, se hoje você tem gente mimizenta por aí, os mimizentos da época eram essa praga de hippies que viviam na vagabundagem, devidamente idiotizados pela Escola de Frankfurt, e pela abordagem que o Tarantino deu aqui, dá pra gente ver com clareza o quanto que o cara "gosta" desse povinho pé-sujo também! Na cena, por exemplo, em que ele chega numa fazenda toda bagunçada, os hippies "socializaram" lá uma casa e olham de um velhinho lá que é antigo conhecido de Booth. Quando ele vai querer entrar para ver o amigo das antigas e vê as condições precárias que ele vive, um dos hippies fura o pneu do carro de Booth, e é aí que a batata esquenta. Foi muito show ver a baita surra que levou o desocupadinho.

Outro momento marcante foi o ator Dalton em um filme sobre nazistas, usando um lança-chamas para queimar os fãs do Hitler, e essa arma cenográfica que ele guardou na casa dele fica sendo uma espécie de Chekov's Gun para o gran finale da projeção, onde ele a usa novamente para nos deleitar com o tradicional cinema tarantinesco em que a violência e o gore tomam conta! Tudo isso regado a uma ótima produção e atuações impecáveis.

O filme basicamente foca em Pitt e DiCaprio. O arco de Robbie já é um tanto menor, e basicamente mostra Tate, a esposa de Polanski, se maravilhando com o seu próprio filme em um dos cinemas que vai ver uma sessão. Ela representa a nós, a audiência, que expressa sensações com o que está sendo mostrado na tela, mas ao mesmo tempo ela está inserida naquele contexto, então temos a visão de alguém de dentro de Hollywood se maravilhando com o efeito que o cinema causa às pessoas.

E vamos combinar, o cinema é uma das artes mais importantes na composição do imaginário de um povo. Você vê, por exemplo, a forma como os próprios Dalton e Booth acabam vendo as coisas diferente quando se mudam para a Itália para fazer os famosos faroestes espaguete, gênero de filme que acabou tendo sua fama máxima nas mãos de um diretor habilidoso como Sergio Leone e de atores como Clint Eastwood e Lee Van Cleef. O impacto dessa produção italiana é tão grande que eles até se casam com duas italianas.

Em resumo, Once Upon a Time in Hollywood é um filme fantástico, em que Tarantino nos traz essas crônicas hollywoodianas e que vai ficar ainda melhor se você conhecer as inúmeras referências apresentadas lá, ou o que você puder identificar por si mesmo. Até mesmo o pessoal mais jovem pode se divertir depois procurando as tais referências para descobrirem uma época muito legal do cinema que eles não puderam conhecer até o momento. Diversão garantida para todos e uma tremenda recomendação minha para você para passar horas de prazer e satisfação com uma grande história.

Once Upon a Time in Hollywood (2019)

Produção: Shannon McIntosh, David Heyman, Quentin Tarantino
Roteiro: Quentin Tarantino
Designer de som: Wylie Stateman

Trailer:

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