Wednesday, March 11, 2015

FILME: The Scarlet Letter (A Letra Escarlate)

Adaptações de obras clássicas da literatura sempre carregam aquele agravante de terem de representar bem o texto original em que se baseiam. É difícil traduzir um texto literário para o meio cinematográfico, porém, existem produções que obtém sucesso. Algumas delas, raridades, inclusive, conseguem ser ainda melhores ou no mínimo, tão boas quanto a fonte original em que se baseiam, desobedecendo aquela máxima que diz que o livro é sempre melhor. Segundo fontes com as quais eu conversei, estamos aqui diante de um caso em que isto aparentemente acontece. Digo aparentemente, porque ainda não tive chance de ler o livro em que se baseia The Scarlet Letter (A Letra Escarlate), livro escrito pelo clássico escritor norte-americano Nathaniel Hawthorne, apesar de ter conversado bastante com quem já leu a obra e ter tal garantia.

O livro, em sua essência, romantiza, sedimenta e presta homenagem à história de criação de uma das nações mais influentes do planeta, os Estados Unidos da América. A partir do retrato das colonizações inglesas traçado por Hawthorne na segunda metade do século XVII, acompanhamos a história de um amor proibido entre um reverendo e uma mulher que é esposa de um imigrante inglês. Para entender o contexto, vamos viajar um pouco no tempo.

Estamos no séc XVII e o novo mundo chamado de América acaba de receber colonos vindos da Inglaterra que acabam se misturando e subjugando a população nativa da área. Os europeus então instalam-se nas regiões norte deste novo mundo ao qual chamaram na época de Nova Inglaterra. Tratam-se de pessoas descontentes com as normas rígidas da Igreja no seu país de origem e que querem se libertar, começar nova vida em um novo lugar, livres das amarras e das perseguições inglesas. Porém, estas pessoas ainda carregam em si uma herança religiosa muito forte e, como todo bom europeu de origem inglesa, uma crença muito significativa nos costumes e tradições. Aliados a essas características, tais pessoas possuem um espírito muito desbravador, e farão daquela região, seu novo lar.

Entra então a ficção de Hawthorne, escrita em 1850 e que se passa em 1642. Aqui nesta adaptação de 1995, a décima das catorze adaptações que o livro já recebeu, o ano inicial é 1666. O filme abre com regiões abertas e um ritual de uma tribo indígena nativa que crema um corpo, um dos costumes das tribos da época. Barcos de colonos então chegam ao novo continente e atracam em terra firme. Há vários tipos dentre os habitantes daquele lugar, mas uma coisa é nítida e comum entre eles durante toda a projeção: todos de certa forma possuem segredos e um certo grau de corrupção em si. Ficamos então conhecendo os protagonistas; Gary Oldman, em uma de suas mais brilhantes atuações, é o reverendo local que reza a missa e catequiza as pessoas. Ele tem o perfil de intelectual, detentor de um grande conhecimento, talvez neste ponto o roteiro faça uma leve referência da igreja como instituição homogeneizadora e monopolizadora da cultura.

Em outra instância, temos Demi Moore que é Hester, esposa de um dos colonos que chegou à nova morada. Seu marido ainda se encontra em um das embarcações. Ela acaba se apaixonando pelo reverendo Arthur e essa paixão acaba florescendo em indiscrições, lhe trazendo, claro, complicações. Em algumas das cenas, pode-se notar uma espécie de valorização às raízes. Embora este povo esteja com intenções de começar vida nova, há uma nostalgia incutida em cada um, quando observamos por exemplo uma mulher interessada no passado de outra; ou então as cenas que contemplam o visual da natureza e pessoas se banhando nos lagos, tudo isso remete a essa nostalgia.

O que nos leva ao insistente valor que este povoado dá aos costumes que tem. Quando descobrem que Hester carrega um filho no ventre, ela passa por uma audição com autoridades do povoado e é presa. A religião e a fé nas escrituras sagradas prevalece ao mesmo tempo que vozes discordantes são entoadas, discutindo portanto o valor da palavra sagrada. A volta às raízes também é simbolizada pelo personagem de Robert Duvall, Roger, agora em sintonia com os indígenas e Arthur, que em um certo ponto diz querer construir uma ponte entre os colonos e os indígenas, de forma a promover um entendimento entre os nativos e o povo colonizador.

Com o nascimento da criança e a condenação de Hester por crimes de fornicação e adultério, Roger, agora aceito pelas tribos indígenas, vai ao povoado e vê o símbolo do pecado de sua esposa. Com isso, as relações do triângulo amoroso, do amor impossível que traz a retórica de Shakespeare e as discussões religiosas, éticas e morais são trazidos a um novo patamar. Então, inicia-se a caça às bruxas e toda fundação da moral do auto-proclamado "povo escolhido por Deus" é colocada em xeque, inclusive de Arthur, que começa a achar que merece a punição e a angústia a qual está sendo submetido pela sua própria alma. Atormentado por seu segredo, se apresenta nu aos olhos de Deus, enquanto cresce sua dúvida nas coisas que acredita.

Um último detalhe muito interessante que deve ser endereçado, é o pássaro vermelho, pousado em frente ao local onde Arthur e Hester se aninham. O simbolismo, além de provocar o efeito desejado, nos comunica que ao nosso redor há tantos tons acinzentados quanto dentro de nossos lares. E se a conveniência da mudeza da criada é palco ideal para a concretização do desvio, também acaba, sem a necessidade de palavras, provocando um grito silencioso de denúncia desse desvio, independente de raça, credo, cor e orientação sexual.

Destaque aqui às atuações impecáveis de Oldman, Moore e Duvall, grandes atores hollywoodianos e mestres das expressões. Outro destaque bastante interessante é a presença ilustre de Edward Hardwicke, mais conhecido por ter atuado na série inglesa de Sherlock Holmes como o Dr. John Watson, estrelando Jeremy Brett no papel principal. O elenco de apoio também está impecável e o figurino do filme ajuda a transparecer essas performances.

O filme, apesar de funcionar como adaptação, também tem alguns problemas que limam seu total potencial, existem cenas que se estendem por tempo demais do que o necessário. Há por exemplo uma das primeiras vezes em que Arthur e Hester trocam olhares; enquanto olhava, eu me pegava dizendo "corta!", mas a cena continuava se arrastando. Além disso, a fotografia da produção embora bem feita, poderia ter um pouco mais de qualidade visual, tendo em relevância a ambientação do filme, os trajes e a cenografia que beiram a perfeição.

A qualidade visual se aproxima de uma das séries televisivas da TV Granada, ou seja, estamos falando de uma produção para o cinema, espera-se um pouco mais de esmero com relação a isso. Talvez seja um problema inerente à cópia VHS que usei, mas independente disso, ficou parecendo uma produção B televisiva. Fora também uma ou outra cena gratuita de nudez que eu só achava divertido porque encarava aquilo como um "eye candy" para o público masculino, não tenho tanto do que reclamar aqui, honestamente, mas que aquelas cenas foram estrategicamente colocadas para capturarem os olhares masculinos para as curvas sensuais e a beleza desnuda de Demi Moore, ah, isso foram!

Apesar destes pequenos tropeços, isso não prejudica a qualidade da fita, nos ilustrando uma nação em seu berço, sendo criada em meio a condições similares ao lugar de que partiu, o que prova uma máxima que diz que o pecado é um mal que nasce com o ser humano, vem do seu ventre; assim como a pobre menina bastarda que narra a história, todo ser humano tem a letra escarlate estampada em seu peito. Escondemos nossas marcas e nos refutamos a acreditar nisso e, assim, outra criança ganha essa marca, que vem sendo nutrida desde que o mundo é mundo, nos destituindo do trono de civilização e nos colocando na posição de selvagens que de fato ocupamos desde os nossos antepassados.

The Scarlet Letter (1995)
Título em português BR: A Letra Escarlate
Nota: 8 / 10

Direção:
Roland Joffé
Produção: Jonathan Cornick, Dodi Fayed, Roland Joffé, Tova Laiter, Andrew G. Vajna
Roteiro: Douglas Day Stewart (baseado no romance de Nathaniel Hawthorne)
Trilha sonora: John Barry

Estrelando: Gary Oldman, Demi Moore, Robert Duvall, Edward Hardwicke, Robert Prosky, Joan Plowright

Trailer:

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