Saturday, July 17, 2004

CD: Electric Ladyland - The Jimi Hendrix Experience

"Ladies and gentleman... The Jimi Hendrix Experience!" Era assim que sempre começava um show do maior trio de rock do mundo, na opinião desse humilde escritor, o Jimi Hendrix Experience! E é com essa banda, formada por ele o mestre de cerimônias Jimi Hendrix, Noel Redding e Mitch Mitchell, que eles lançaram um dos melhores discos de guitarra e rock de todos os tempos, e um verdadeiro clássico do rock, o "Electric Ladyland".

Lançado originalmente em 1968, após dois trabalhos impressionantes que marcaram o auge da carreira de Hendrix, e provocaram uma grande revolução no modo de se tocar guitarra, onde o mestre Hendrix dava aulas de feeling, sempre experimentando novos modos de se tirar som de uma guitarra ("Are You Experienced?", "Axis Bold As Love"), esse, infelizmente viria a ser o canto dos cisnes do Experience, mas ainda não de Hendrix, que mais tarde formaria o Gipsy Sun and the Rainbows (Woodstock, 1969) e o Band of Gipsies (1970). Electric Ladyland, com certeza foi o trabalho mais experimental, bem produzido e lendário que já houve na história até então, e graças a ele, muitos guitarristas se inspiraram nas décadas seguintes, ele realmente mudou a história, e deu novos rumos ao rock.

Para falarmos desse disco, recordemos então um pouco de história. O mundo estava passando por uma fase turbulenta, mudanças começavam a acontecer muito rápido, e protestos contra a guerra do Vietnã estavam em alta. Hendrix, mesmo sendo norte-americano, não era exceção a esses protestos, vide sua performance avassaladora e polêmica do hino dos Estados Unidos em Woodstock, misturado a barulhos de metralhadora, gritos de vítimas inocentes, grandes estouros de bombas e o impromptu de morte que era tocado toda vez que um soldado morto era saudado a tiros (sim, era Hendrix fazendo todos esses sons em sua guitarra!). Um ano antes, tivemos a morte de um grande líder negro, que defendia a punhos fortes, os interesses de seus companheiros, estou falando de Martin Luther King, e é justamente o ano de lançamento de Electric Ladyland.

Mas mesmo em meio a diversas turbulências, críticas e outras coisas que rolavam nesses tempos difíceis, Hendrix e o Experience sempre mantinham a cabeça fria, sempre num rítmo de muita descontração, apesar de já haver algumas desavenças por parte de Noel Redding e o rumo do Experience. Ele até chegou a construir um estúdio que nunca usou, batizado mais tarde de Electric Ladyland Studios. Para aqueles que pensam que Jimi Hendrix era uma figura mística, depressiva, ou coisas assim, podem tirar essa idéia da cabeça! Ninguém lá era tão descontraído e agradável quanto ele. Tratava-se de uma pessoa simples, nascida no interior, tímida, mas que atraía a atenção das pessoas com seu jeito divertido. Fazia mil e uma piadas, principalmente após tocar com Little Richard, do qual era amigo íntimo, e se você o ver tocando, poderá vê-lo rindo sozinho no palco. Nunca houve em toda história alguém que tocasse com tanto sentimento, com tanta convicção, com tanta vontade e determinação. E também nunca houve alguém que revolucionou tanto a guitarra quanto ele, eu me arrisco a dizer que avançamos 100 anos na guitarra só por causa de Hendrix. Mas porque estou contando tudo isso? Para entrar na temática de Electric Ladyland, e também para contar um pouco da história desse incrível guitarrista e fantástica pessoa, sem sair do assunto. Mas vamos deixar um pouco de história e falar do disco.

Trata-se de um disco conceitual, aliás, o segundo da história do rock, sendo que os Beatles já haviam conquistado o mundo com Sgt. Peppers Lonely Hearts' Club Band. O disco é bastante experimental, Hendrix estava querendo fazer algo bem a vontade, que lhe desse permissão de experimentar muitas coisas, e ele estava determinado a usar todos os recursos de estúdio disponíveis na época. Chegava até a recorrer a objetos estranhos para tirar o som desejado, era um verdadeiro gênio! O disco começa com uma faixa chamada "...And The Gods Made Love", já mostrando a intenção de Hendrix de buscar campos nunca explorados por outros músicos antes. Nela, Hendrix faz alguns efeitos futuristas com a boca e usa alguns artifícios de estúdio, além de recorrer a diversos outros objetos, como vassouras, ou coisas de latão, ele era assim, qualquer coisa que produzia o som desejado ele usava. Após essa faixa introdutória, Hendrix já te convida a adentrar o maravilhoso mundo da terra das ladies elétricas, com uma linda canção, "Have You Ever Been (To Electric Ladyland)". Pode-se notar a guitarra quase limpa de Hendrix, e seus riffs lendários. Seu senso de ritmo era espetacular também, o que fazia com que o lendário Chass Chandler, dos Animals, naquela época, produtor de Hendrix, sempre quisesse dar destaque à sua voz cheia de ritmo, apesar de o próprio Hendrix achar sua voz horrível, e se negar a destacá-la. Tenha paciência, leitor, pois há muito a se falar sobre esse disco fantástico...

Após o convite de Hendrix, você se vê em "Crosstown Traffic", e para quem achou o som da guitarra dessa música um pouco estranho, uma surpresa: é Hendrix, solando com um pente!!! Isso mesmo! Ao invés de usar o dedal de slide, ele usa um pente com papel enrolado, o que dá aquele efeito quase vocal que lembra subúrbio de cidade. A seguir, nos deliciamos com uma versão blues e cheia de feeling de "Voodoo Chile", com Hendrix contando um pouco de sua vida na letra da música e se referindo como a 'criança voodoo'. Era assim que ele se sentia com relação a seus pais, que não puderam criá-lo e o deram a pais adotivos. Os aplausos no background são de um pub, um daqueles clubs noturnos onde os músicos costumavam se apresentar. Essa música começa em um pub e vai acabar dentro do estúdio. Milagres da mixagem de estúdio! Hendrix costumava tocar muito em discotecas e pubs londrinos e novaiorquinos, sempre após uma sessão de estúdio, lá estava ele tocando para as pessoas. Sua natureza fazia com que ele fizesse amigos facilmente em todo lugar que passasse, por isso ele sempre freqüentava clubes noturnos e era bem recebido. Após essa blues jam session, temos uma música composta por Noel Redding, "Little Miss Strange". Porque Hendrix não canta e sim Noel? Ora, muito simples... todos já estavam no estúdio para acabar de gravar as partes vocais de Hendrix, porém como o carinha não aparecia, resolveram começar as sessões sem ele, o que resultou em Noel fazendo os vocais da música. Preciso dizer que Jimi não reclamou disso? Fico me perguntando se eles resolveram começar as sessões mais cedo, pois Hendrix nunca acordava antes do meio-dia!

"Long Hot Summer Night" já alegra mais o ambiente com sua harmonização e coros bem alegres, e mais uma vez, uma aula de feeling de mestre Hendrix. Logo após ouve-se uma ótima versão de Hendrix para "Come On (Let The Good Times Roll)", do bluesman Earl King. Em seguida temos "Gipsy Eyes", com seu contagiante ritmo e guitarra sempre impressionante de Hendrix. Há uma história engraçada por trás dessa música, pois foi exatamente em suas sessões que ela aconteceu. Aliás, vale ressaltar que foi um dos fatores que contribuíram para o desligamento de Noel do trio. Após uma sessão de estúdio, Hendrix, como sempre vai tocar em uma discoteca. Mais para o final da noite, ele aparece no estúdio com aproximadamente 30 pessoas, senta e começa a tocar para todas elas. Preciso dizer que Chass Chandler não gostou nada disso? Aliás, em suas próprias palavras: "o cara era gênio, mas dava um trabalho...!" Se Chass não gostou do lance, muito menos Noel, que chegou por ali e disse aos presentes: "por favor, posso passar? Posso me sentar?" Ao que alguém retruca: "sim, claro! E você é...?" Ao que Noel se irrita, e ironicamente responde: "eu sou o baixista do grupo, muito obrigado!"

Logo após, temos a linda "Burning Of The Midnight Lamp". Um detalhe interessante e que ressalta mais uma vez a genialidade de Hendrix: os efeitos de cordas ao fundo parecem um bandolin, não parecem? Pois não é! Simplesmente é Hendrix tocando guitarra em alguns RPMs a mais, o que causou um estranho e belo efeito de bandolin! Aliás, estranho e belo é a expressão ideal para descrever esse disco. Joe Satriani que o diga! Além disso, há um clavicórdio de fundo tocado por Hendrix, bem no refrão, preenchendo a melodia! Pura genialidade! Além é claro do belissimo coro de vozes de Jeanette Jacobs e das Sweet Inspirations, o grupo vocal feminino que acompanhava Aretha Franklin na época! Em seguida, temos "Rainy Day, Dream Away" com Fred Smith no sax e Mike Finnigan nas teclas. A interação com a guitarra de Hendrix é perfeita, e realmente dá um clima de dia chuvoso. Também vale destacar a leve aproximação com o jazz.

Após isso, temos uma suíte de duas músicas, "1983...(A Merman I Should Turn To Be)" e "Moon, Turn The Tides...Gently, Gently Away". A primeira, com sua belíssima intro e harmonização quase hipnótica, a segunda, uma continuação da primeira, além dos efeitos vocais de eco e reverb que dão o tom hipnótico da voz de Hendrix. Aqui, Hendrix novamente começa a tirar efeitos com a boca e acompanhado da bateria e percurssão, dão um tom misterioso à música, parece que se está no meio do mar, sendo hipnotizado por uma sereia, quando a lua muda, a noite passa e novamente nos encontramos em terra firme, sem saber o que aconteceu. Fabuloso! Esses experimentos feitos por Hendrix nada mais seriam o que mais tarde viria a se chamar de rock progressivo. Hendrix praticamente contribuiu para a invenção do rock progressivo aqui, e deu vazão para que outros músicos brilhantes dessem seguimento ao que ele começou.

Em seguida, temos "Still Raining, Still Dreaming", uma continuação de "Rainy Day, Dream Away", seguindo a mesma harmonização, o mesmo clima, porém, revelando mais um pouco da genialidade de Hendrix. Mais uma incursão à experimentação com o jazz e ritmos cortados, e alguns efeitos de guitarra wah wah. Simplesmente fabuloso! Em seguida, temos uma música mais pessoal de Hendrix, "House Burning Down". Sua letra é um lamento à morte de um grande líder negro na época, nada mais nada menos do que Martin Luther King. Sem contar o ótimo efeito de fogaréu no final da música, feito por Hendrix na guitarra. A seguir, temos uma sensacional cover de "All Along The Watchtower", de Bob Dylan. Vale ressaltar que Hendrix era simplesmente alucinado pela música de Dylan. Andava com um livrinho de músicas de Dylan embaixo do braço e se referia a ele todo dia! Era seu messias particular! Nessa versão da música, percebe-se o ótimo senso de ritmo de Hendrix e como ele sabia chamar a atenção de todos para a complexidade de uma música. Brian Jones dos Rolling Stones foi chamado para tocar teclados nessa música. Porém, eles acabaram não se acertando e a versão final acabou sendo gravada sem ele mesmo. Fazia parte da natureza de Hendrix, qualquer pessoa que tocasse um instrumento poderia tocar na banda, mesmo Brian Jones ou até mesmo o taxista da rua! Para terminar o disco com chave de ouro, a famosíssima "Voodoo Child (Slight Return)", uma das melhores músicas que Hendrix já fez!

A capa do disco é estranha a primeira vista. Não, não estou falando das capas das versões remasterizadas com a foto de Hendrix, e sim daquela com a qual o disco entrou para a memória da história do rock, com as modelos nuas. O pervertido projetista da capa, que atende pelo nome de David Montgomery, pagou um bom "suborno" para que elas tirassem a roupa e posassem nuas, dando a idéia de "liberdade" que o projetista achava que iria cair como uma luva no disco, e achava ser a idéia que Hendrix iria adorar.



Bem, não era! Ele simplesmente repudiou a capa, e há uma foto que mostra ele mordendo a capa do disco em sinal de protesto.



Hendrix tinha idéias iniciais para a capa, como o retrato dele com Noel e Mitch. Mas o que ele queria era uma foto de Linda Eastman sentada com uma criança com uma foto de Alice no País das Maravilhas no Central Park, inclusive ele rascunhou essa idéia e entregou aos responsáveis. Ao invés disso, usaram uma foto amarelada com tons vermelhos com a cabeça de Hendrix borrada em uma ilustração com fundo negro, que aliás é a capa que se vê hoje nas lojas.



Foi então que David Montgomery fez a foto das mulheres nuas que acabou saindo e provocando não só o desprazer da imprensa como o de Hendrix também. Aprendam a lição: quando quiser projetar uma ilustração de capa, ouçam o artista, antes de tirar conclusões precipitadas por interesses próprios ou comerciais.

Em resumo: um disco clássico, fabuloso, memorável, lendário e exemplar. Imensamente obrigatório em qualquer boa coleção de rock, ou pra você que gosta de boa música! Fonte de inspiração de diversos guitarristas e músicos em geral, qualquer pessoa que queira tocar guitarra, deve, não pode, DEVE conhecer esse disco e toda genialidade do maior gênio da guitarra que já pisou na face da terra! Uma obra que perdura e ainda perdurará por muitos anos na memória das pessoas que a viram de perto, e também na memória das futuras gerações.

Electric Ladyland (1968)
(Jimi Hendrix)
Nota: 10 / 10

Tracklist:
01. ...And the Gods Made Love
02. Have You Ever Been (To Electric Ladyland)
03. Crosstown Traffic
04. Voodoo Chile
05. Little Miss Strange
06. Long Hot Summer Night
07. Come On (Let the Good Times Roll)
08. Gypsy Eyes
09. Burning of the Midnight Lamp
10. Rainy Day, Dream Away
11. 1983... (A Merman I Should Turn to Be)
12. Moon, Turn the Tides... Gently Gently Away
13. Still Raining, Still Dreaming
14. House Burning Down
15. All Along the Watchtower
16. Voodoo Child (Slight Return)

Selos: Reprise, Track, Barclay, Polydor

The Jimi Hendrix Experience é:
Jimi Hendrix: voz, guitarra
Noel Redding: baixo, voz
Mitch Mitchell: bateria

Discografia:
Póstumos:
- Both Sides of the Sky (2018)
- People, Hell and Angels (2013)
- Valleys of Neptune (2010)
- South Saturn Delta (1997)
First Rays Of The New Rising Sun (1997)
- Radio One (1988)
- Nine to the Universe (1980)
- Midnight Lightning (1975)
- Crash Landing (1975)
- Loose Ends (1974)
- War Heroes (1972)
- Rainbow Bridge (1971)
- The Cry of Love (1971)

Oficiais:
- Band of Gypsys (1970)
Electric Ladyland (1968)
-  Axis: Bold as Love (1967)
-  Are You Experienced? (1967)

Site oficial: www.jimihendrix.com

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