Friday, March 2, 2018

NO CINEMA: Phantom Thread

8,5 / 10
Novo filme de Paul Thomas Anderson possui atuações fortes como sempre, e direção primorosa, mas história de relacionamento de época é bem angustiante.

Confira minha opinião!

Título brasileiro: Trama Fantasma
Direção: Paul Thomas Anderson
Estrelando: Daniel Day-Lewis, Vicky Krieps, Lesley Manville, Camilla Rutherford, Gina McKee, Steven F Thompson, George Glasgow, Ingrid Sophie Schram, Brian Gleeson, Harriet Sansom Harris, Phyllis MacMahon, Richard Graham, Silas Carson, Martin Dew, Emma Clandon


Como dizia Francisco Alves, em "Mulher de Malandro": "Ela briga com o malandro, enraivecida, manda ele andar, ele se aborrece e desaparece, ela sente saudade, e vai procurar".

- Mas Ricardo, a gente não pode escrever uma coisa dessas na resenha!

- Tá, então escreve assim: Paradoxo da onipotência: quando uma força imparável encontra um objeto imovível, eles tentam passar um pelo outro.

Ok, eu precisava fazer uma piada com isso! Cara, esse filme me deprimiu. Não estou falando por maldade, o Paul Thomas Anderson é um diretor excelente. Mas a situação em si que os personagens se encontram é angustiante; e eu até o momento não sei dizer se o final foi intencionado como feliz, ou trágico.

Claro, quem já assistiu outros filmes do Anderson como Magnolia, ou There Will Be Blood, ou The Master, já se pegou angustiado por uma trama desse diretor. Quem nunca assistiu Magnolia, por exemplo, e não pensou "velho, filme muito bom, com mensagem positiva e tal, mas deu uma depressão danada de pensar na nossa condição como seres humanos!"

Pois então bem vindos a Phantom Thread, que teve o título em português mal e porcamente traduzido pra soar como se fosse um filme de terror. Foi com essa expectativa que eu acabei entrando na sala. Mas não é um filme de terror. O título original, que em português quer dizer "linha fantasma", no que eu pude entender, trata-se da linha que rege nossas vidas e relacionamentos.

E no que tange a relacionamentos, temos aqui dois personagens totalmente antagônicos em meados dos anos 50, com toda aquela atmosfera de glamour e mudanças que a época proporcionou. Alma (nome mais apropriado, não?), e o sr. Woodcock...

PFAHAHAHAH!! Desculpem! 😁

... bom, a moça e o sr. com nome de passarinho tem um relacionamento no filme. Ele, um cara que faz vestidos; ela, uma atendente de restaurante que conhece o moçoilo e se apaixona por ele. No início, parece tudo lindo! SÓ QUE o cara tem uma rotina no dia dele que ele odeia que seja quebrada. No café da manhã, por exemplo, ele não aceita que nem sua assistente, a senhora Cyril, uma senhora doce e disciplinada, fale de coisas ruins ou minimamente preocupantes com ele, senão arruina o dia do coitado. Quando ele está trabalhando, não pode perturbá-lo, senão a sua interrupção ferra com o trabalho da prima-dona. Quer surpreendê-lo com um agrado? Na-na-ni-na-não, onde já se viu uma coisa dessas, surpreender as pessoas com mimos? Isto non ecxiste!

Ou seja, é alguém terrivelmente regrado, que detesta sair da rotina, que odeia abraçar possibilidades, coisas novas... é o nosso objeto imovível na trama. Mas é competente e extremamente obcecado com seu serviço e com a perfeição nos detalhes. Do outro lado, temos a moça, carinhosa, doce, piedosa, compreensiva, paciente; tudo que ele não é. "Alma" realmente é um nome que define bem a personalidade espirituosa dela... ou seja, ela é a nossa força imparável. Mas ela também tem um tantinho de sacanagem no seu âmago. Ela dá pra ele cogumelo envenenado no filme só para ensiná-lo uma lição.

E nessas horas, por mais que você queira socar o sujeito no meio da cara por ser tão babaca, você acaba tendo um certo receio da moça quando ela faz uma barbeiragem dessa! Chega um momento em que a situação fica insuportável e os dois começam a discutir as coisas mesmo, apontar defeitos, se esguelar pra falar. Tem horas que você até entende a necessidade do sujeito de ficar sozinho para poder se concentrar, mas por exemplo, na cena em que está havendo a festa de ano novo, ele simplesmente se recusa a ir com ela para dançar. E eu lá na cadeira de cinema comendo as mãos e  pensando "putakipariu, seu escroto, vai na festa com ela, larga de ser chato!" Em vários momentos no filme dá essa raiva e essa angústia de uma pessoa que simplesmente não tem a capacidade de fazer o necessário para que um relacionamento dê certo: ceder em certas coisas. Quem é casado sabe da imensa importância que isso tem.

Enfim, tudo isso nos traz aos holofotes essa discussão de até onde devemos caminhar em uma aventura amorosa sem sufocar a pessoa com que estamos. Quem você é na relação? O objeto imovível, ou a força imparável? Você é a pessoa que não aceita mudanças na vida, ou a que lida bem e se adapta? O que você faria numa situação dessas? Porque foi exatamente isso que me deixou angustiado no filme: o fato de o cara ser um babaca com ela, e eu pensar "bom, agora ela manda esse cara pastar, com certeza!", para logo depois, os dois estarem juntos se beijando novamente! Cacetada! E foi daí que eu pensei nessa coisa da mulher de malandro!

Mas tem também a questão que o título do filme aponta. Quem que traça essa linha fantasma que rege nossas vidas? Por que às vezes fazemos coisas que pensávamos em não fazer, mas depois nos pegamos fazendo; ações que nunca iríamos pensar que tomaríamos, mas tomamos? Será que devemos mesmo aceitar o fato de que "Deus escreve certo por linhas tortas", como diz o ditado, e fazer o que devemos fazer? Essa linha invisível de nossas vidas vai dar aonde?

Enquanto pensamos nessas questões, a linha do alfaiate costura mais um vestido. A linha da vida segue como tem que seguir. E eu, fazendo o papel da mulher de malandro, muito embora tenha me angustiado com a situação, venho a você recomendar este filme e refletir comigo sobre essas situações.

Se você gosta dos filmes reflexivos de Paul Thomas Anderson, é mais um filme dele que você certamente não vai querer perder, com fotografia extraordinária, paleta de cores impecável, diálogos e momentos que não desgrudam seus olhos da tela, atuações brilhantes, incluindo a sempre marcante presença e protagonismo de Daniel Day-Lewis, e uma trilha sonora que varia de Debussy, a Brahms, a Hector Berlioz, somente a nata da música clássica. Assista, e depois me diga se você achou o final trágico ou genuinamente feliz.

Phantom Thread (2017)

Produção: Paul Thomas Anderson, Megan Ellison, Daniel Lupi, JoAnne Sellar
Roteiro: Paul Thomas Anderson
Trilha sonora: Jonny Greenwood

Trailer:

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