Wednesday, September 28, 2016

MATÉRIA: Uma análise da odisseia espacial - Parte 3 / 5: Jupiter Mission - parte 1

Seja bem vindo à terceira parte da análise do filme 2001: A Space Odyssey; considere esta como a parte onde a trama do filme encontra seu ápice. Na parte anterior, vimos como o homem acabou consolidando a sua aliança com a ferramenta, e analisamos o futuro das viagens espaciais. Nesta aqui, a odisseia prepara um desafio ao homem que ele jamais imaginou que teria que encarar. E ao protagonizar este desafio, as consequências se mostram avassaladoras.

Parte 2                     Parte 4 >


Antes de mais nada, quero pedir desculpas pela longa ausência na elaboração desta análise. Não tem sido um período fácil, fica até difícil focar e pensar, e então a gente se pega escrevendo de pouco a pouco, nos buracos de tempo que dá. Escreve, volta, viu que ficou uma porcaria, reescreve, verifica a continuidade, o que já foi falado, enfim, vira realmente uma odisseia. Até mesmo tomei a liberdade de adicionar mais uma parte desta análise, pois antes eu pretendia fazê-la em quatro partes, mas vi que precisaria de mais uma, totalizando cinco. Mas esta análise completa vai sair, isso eu garanto. Sendo assim, vamos continuar o que começamos lá atrás, e tentar caminhar até a vindoura conclusão no espaço de tempo que pudermos utilizar.

CAP 2. JUPITER MISSION - parte 1

Esta segunda parte da história, a mais complexa em termos de análise até o momento, nos apresenta a três novos personagens. Aliás, se me permitem conjecturar algo por aqui, é o fato do quanto as pessoas devem ter estranhado, no ano de lançamento do filme, não ter somente um protagonista definido. Isto já havia acontecido em Psycho, de Alfred Hitchcock, o clássico filme de 1960, em que a protagonista principal da história é assassinada no meio do filme.

Porém aqui, tudo isso acaba tendo um sentido maior, além de simplesmente tirar esse ou aquele personagem do filme. A jornada de 2001 envolve a raça humana como um todo, e apesar de ocorrer a troca, aqui ela tem o sentido singular de representar as diferentes facetas do ser humano; nesta próxima parte, essa troca irá viabilizar um momento no clímax, que só era possível ao se eleger um representante nosso que estivesse disposto a encarar um desafio supremo. Na parte 5, iremos conhecer o desafio em maiores detalhes. Vamos ver a que ponto crítico da jornada humana esta próxima parte nos levará.

Ela se inicia 18 meses após o último acontecimento, com uma tomada externa da espaçonave Discovery One, - aliás, olá, sequência que será copiada por Star Wars, anos depois! - sequência esta que é sucedida com a tomada interna da nave, onde temos dois astronautas, David Bowman e Frank Poole, uma equipe de três cientistas em hibernação criogênica, e o mais interessante de nossos personagens: o computador de bordo HAL 9000, personagem importantíssimo neste ato do filme.

Mas antes, vamos dar uma olhada no ambiente geral. Vamos olhar a espaçonave do lado de fora; conseguem perceber algo tilintante no ar? Observem com cuidado!


Lembram quando eu falei, na parte 2, que as coisas no espaço, especialmente os veículos, estavam adquirindo uma característica muito parecida com a humana? O que lhe parece a estrutura robusta e aparentemente interminável da Discovery One?

Coincidência? Eu acho que não! Percebam todo o detalhamento na estrutura da nave. É! Esta nave somos nós! Estamos no espaço, em busca de nosso verdadeiro propósito, atravessando terrenos desconhecidos e inexplorados. Esta grande sacada de Kubrick coloca o ser humano novamente nos holofotes, mostrando que a jornada filosófica do diretor, a todo momento se vira novamente para o homem, este velho macaco, este ser que, desde os tempos remotos das cavernas, vem tentando entender a si mesmo. A aliança do homem com a ferramenta dá, ao primeiro, ambições de um deus. Vamos pensar em termos bíblicos, então: Deus fez o homem a sua imagem e semelhança. Mas o homem é imperfeito, certo? Certo. E sendo imperfeito, vai cometer deslizes, certo? Certo. O homem aqui, se põe na posição de deus em relação à suas ferramentas, portanto, se Deus é perfeito, e o homem é imperfeito, logo, as ferramentas e "criaturas" geradas pelo homem serão ainda mais imperfeitas. É a simulação da simulação. O que mais nós aprendemos nesta nossa viagem filosófica mesmo? Ah, sim! Que o homem, em um ambiente que não é o seu, perde o controle de suas ferramentas e de si mesmo, não é isso? Pois bem, está estabelecida, a priori, a causa da grande reviravolta que teremos a seguir, neste trecho da jornada. Continuemos.

Entrando na Discovery, ou poderíamos dizer, adentrando a psique humana, afinal de contas, esta nave somos nós mesmos, conhecemos os protagonistas, os neuroniozinhos, da nave, o nosso interior em constante conflito; os personagens acima citados, os astronautas, cientistas e o cérebro eletrônico. O astronauta Frank Poole corre em círculos, fazendo seu cooper habitual, ao mesmo tempo que golpeia o ar; a mente se movimenta, em constante fluxo, em constante esforço, em constante conflito.

Enquanto isso, uma outra inteligência o observa. O computador de bordo da nave, o cérebro eletrônico HAL 9000, em seus costumeiros afazeres, observa o comportamento humano. Um detalhe técnico da produção do filme aqui, é que se pegarmos as letras do nome de HAL, e encontrarmos a letra posterior na ordem alfabética, teremos IBM. Você certamente se recorda da marca IBM de computadores, não? Devaneando, eu me recordo dos vários IBM que eu dei manutenção, anos atrás. Mas isso é outra história.

Acredite você ou não, Kubrick e Clarke nunca sequer imaginaram a tremenda coincidência que isso tinha, quando elaboraram o roteiro. Arthur C. Clarke, inclusive deixa claro, em seu livro The Lost Worlds of 2001 que ele e o diretor jamais pensaram em associar a sigla HAL com a empresa de computadores. Mas a coincidência foi tão gritante, que eles tiveram que passar o resto de seus dias reafirmando isso, inclusive, se você prestar atenção no próprio filme, vai ver lá alguns computadores, com a sigla IBM impressa, em algumas cenas envolvendo o astronauta Frank Poole. Eu acho até hoje essa coincidência muito divertida, e eu até faria um paralelo disso com a nossa própria relação com as máquinas hoje, caso os criadores afirmassem que foi sim, algo proposital, mas como não foi, é melhor deixar qualquer interpretação da relação entre eles e a empresa IBM para a nossa imaginação.

Ok, me desviei um pouco. Vamos voltar ao filme. Temos algumas observações muito, muito interessantes a fazer sobre HAL, além da coincidência com a IBM ou mesmo do clássico "HAL é o assassino de 2001", e coisas desse tipo. Comecemos portanto a observar a forma arredondada de seu visor, de sua "retina", por assim dizer; de uma forma bastante interessante, Kubrick sugere o paralelo com o olho humano; percebeu? Este então é o olho pela qual HAL processa a nós, humanos. Todos nós, ao redor do mundo, temos uma visão muito particular de como vem a ser o nosso Criador, o nosso Deus, não é mesmo? Se é assim, então nós, humanos, somos os criadores de HAL, somos o deus dele; o cérebro eletrônico é nossa criação, e ela nos observa através de um paradigma.

Outra coisa interessante a observar em HAL, é o seu formato, ao redor de sua "retina". Olhe bem pra ele e diga se você não viu isso antes no filme. Você ficará cada vez mais surpreso a cada migalha de pão que Kubrick nos deixa.

Percebeu?

Entende agora a ligação que estamos estabelecendo aqui ou não? Deixe-me explicar: durante todo este tempo, temos estabelecido que o Monolito se trata de um desafio para o homem. O Monolito tem estado com o homem durante todo o curso de sua existência; esteve no ato anterior, em mais de uma ocasião, e estará com ele no fim; neste aqui, ele aparentemente não dá as caras... será? Ou será que ele está "disfarçado"? Com um olho a mais, talvez? Mostrando suas garras? É possível.

Repare atentamente em todas as vezes que os astronautas no filme assistem algo na TV, ou usam uma câmera, veem os entes queridos através de uma tela de computador, notícias, e coisas assim. Já existe algo tilintando no ar em relação ao real significado do Monolito? Sim, você leu direito, a partir de agora, começaremos a perceber as migalhas de pão que Kubrick nos deixa e que, possivelmente, nos levarão ao provável significado da rocha retangular a qual tanta gente tem quebrado a cabeça ao longo dos anos para entender. Teorias não faltam! Mas somente na parte final eu começarei a jogar alguma luz acerca deste significado. E sim, HAL 9000 tem muito a ver com ele. Vamos ver como HAL se comporta em relação aos astronautas.

- "Seguro" e "orgulhoso" de si mesmo;
- Guiado pela racionalidade e cientificismo;
- "Racional" e "confidente" em seus resultados;
- Provido de um certo senso "humano";
- Capaz de raciocinar e executar cálculos extremamente complexos;
- "Curioso".

Você notou como eu coloquei algumas coisas "entre aspas" anteriormente? Sabe o que são, não é? São as emoções humanas. A tecnologia do filme, chegou a um patamar em que o ser humano consegue expressar características suas em suas máquinas. Ou não? Sabe, há uma pergunta que o repórter do canal da BBC, canal de TV em que os astronautas são entrevistados, faz a Frank e David: "vocês acham que HAL é capaz de expressar emoções humanas genuinas?" E chega a ser curioso mesmo ele fazer este tipo de pergunta, porque, afinal de contas, HAL é uma FERRAMENTA, lembre-se disso!

A sigla que dá nome a essa ferramenta significa "Heuristic ALgorythm", ou seja, algoritmo heurístico. Através de um algoritmo heurístico, na robótica, as máquinas respondem a dados estímulos que lhes são fornecidas, e quando não conseguem encontrar a melhor solução para um dado problema, tentam encontrar uma saída que seja a mais próxima do ideal. Portanto, podemos dizer que HAL é provido de uma certa inteligência artificial, o que é verdade. Isso lhe confere o status de uma criatura senciente, ou seja, que teoricamente, é capaz de "sentir", ou admitir sua própria existência.

Isso lhe confere então a habilidade de sentir, assim como nós sentimos? Ou tudo não passa de um mero simulacro bem conduzido? HAL, na entrevista, além de dizer que está muito "entusiasmado" com o trabalho, chega a dizer, com um certo "orgulho", que nenhum outro computador da série dele jamais errou um cálculo, ou então cometeu um erro sequer em seus afazeres. HAL então, define a si mesmo como um ser perfeito, livre de erros. Mas espere... é exatamente assim que alguns homens de nosso mundo se auto-definem, não é? "Eu nunca erro!" A trama se complica...

HAL conversa com os astronautas em outro dado momento, especialmente com o astronauta David Bowman, a quem HAL chama "carinhosamente" de Dave. Mas há um conflito sendo orquestrado por trás deste relacionamento aprazível entre os dois astronautas e a máquina. A própria trilha sonora ao violino deixa este conflito aparente, quando vemos que Dave, por exemplo, está jogando uma partida de xadrez com HAL. O conflito humano nesta odisseia está sendo levado ao nível de o próprio homem degladiar-se com a ferramenta que criou, e veremos isso mais adiante, mas Kubrick já nos anuncia este vindouro conflito aqui.

HAL observa, cuidadosamente, cada passo dado por estes velhos macacos, os homens. Em meio às cortesias e elogios aos desenhos de Dave, o computador de bordo acredita ser uma criatura real, e isso fica impresso em seu "orgulho", como é mencionado pelo repórter da TV. Kubrick detalha muito bem, com sua fotografia, a forma como HAL enxerga o ser humano. Em meio à partida de xadrez, Dave parece entediado; Frank toma seu banho de sol, mas é uma luz artificial, pois o ser humano está longe de seu meio natural, seu habitat; e os humanos dependem totalmente dele, o computador, para se comunicarem com seus entes queridos, ou até mesmo para respirar, seja dentro ou fora da Discovery One, fazendo com que HAL tenha uma certa supremacia naquele ambiente. Repare atentamente, na cena em que Dave está fora da nave, em seu traje espacial, o quanto Kubrick demora, toma tempo para nos fazer perceber a dificuldade do homem até mesmo para respirar em meio ao espaço, como um peixe fora d'água. E isso nos leva ao próximo trecho, aquele que finalmente irá trazer a partida de xadrez entre o homem e a ferramenta para o plano real. Observe.

HAL começa a ter uma postura inquisitiva em relação à natureza da missão, o modo com que ela foi preparada em segredo, a razão desproporcional em colocar os outros cientistas em hibernação após um amplo treinamento. Isso denota já uma certa paranóia em relação à sua "personalidade". É quase como se alguém o tivesse programado, de antemão, para colocar em xeque a postura dos envolvidos na missão. Isso se trata de especulação, mas não se pode ignorar o fator de risco que Kubrick, sutilmente, imprime aqui do homem em relação a si mesmo, à sua própria natureza.

Mas aí, HAL prevê uma falha na antena da espaçonave. Diz que a unidade irá falhar em 72 horas, o que coloca os dois astronautas em ação.

Vamos reparar novamente no formato humano que os objetos do filme assumem, através dos módulos esféricos com "garrinhas" que os astronautas utilizam para cumprirem suas missões. Pois é. HAL e a Discovery One tem "mãozinhas". O formato cada vez mais humano das ferramentas do homem implicará em um novo e assustador problema. Este problema irá aparecer, logo, logo.

Nesta primeira etapa, o cérebro eletrônico obedece os dois astronautas em absolutamente tudo. A situação se complica, porém, quando descobrem que HAL cometeu um ERRO, e que a antena estava funcionando perfeitamente, sem previsão de falhar.

NO ESPAÇO, O HOMEM PERDE O CONTROLE DE SUAS FERRAMENTAS!

E HAL é uma delas.

HUBRIS: termo grego das tragédias, que indica auto-confiança exagerada e egoismo, arrogância. O orgulho excessivo que levará alguém a cometer um erro fatal, que o levará a seu nêmesis, e consequentemente à sua própria obliteração, ou se preferir, aniquilação.

Guarde este termo para mais tarde!

Todos ficam perplexos com o engano de HAL, inclusive o próprio dispositivo, que insiste em dizer que os computadores da série 9000 tem uma ficha livre de erros, e que a confusão só poderia ter sido causada por falha humana, mesmo após as insistentes investidas de Frank em induzí-lo a reconhecer que errou.

Dave e Frank então, desconcertados com tudo que ocorreu, decidem discutir o assunto; mentem para HAL que vão resolver um assunto de rotina, e isolam o som de um dos módulos espaciais, mas se esquecem de tirar seus lábios da vista de HAL, que lendo-os, descobre que os astronautas tem a intenção de desligar o cérebro eletrônico, deixando apenas as suas funções motoras da nave, transformando então HAL, em uma espécie de zumbi.

Agora, deixa eu te perguntar algo com muita sinceridade, caro leitor: você gostaria que alguém dissesse que iria remover seu cérebro, e assim sendo, todo seu corpo passaria a estar sob o controle desta pessoa? Não, né? Pois é. Lembre-se que HAL é uma criatura senciente, e por ter esta característica, podemos dizer que ele carrega uma HUBRIS dentro de si.

Ou seja, assim como o próprio ser humano, HAL simula o medo da morte, o medo de perder seu delicado "livre-arbítrio", sua independência, e consequentemente, sua supremacia em relação aos humanos. Percebe as peças do jogo de xadrez sendo postas uma a uma aqui no tabuleiro? Lembra da cena do riacho na pré-história? Ou da cena dos copos com água na parte anterior? Faz muito sentido agora, não? E então, se inicia a batalha pela supremacia entre humano e máquina; HAL tem o controle da nave, mas Dave e Frank acreditam estar no controle da situação - AMBAS AS PARTES ACREDITAM ESTAR COM A SITUAÇÃO SOB CONTROLE; a criatura mais engenhosa irá sobreviver. Mas esta batalha irá acontecer na parte 4, porque agora, o filme é interrompido com uma pequena "intermission", que era um costumeiro intervalo que se dava a filmes de metragem muito grande, no passado, para que a audiência tivesse tempo de descansar e respirar antes da última e conclusiva parte.

E acredite, será necessário que você respire, caro leitor. Já faz muito tempo desde a segunda parte e eu não sei se você se recorda, mas lembra do desafio ao final daquela parte? Como era mesmo? Ah, sim:

DECIFRE-ME, OU EU TE ENGULO!



Se há qualquer relação aparente aqui entre o Monolito e HAL, que acaba de desenvolver a patologia do complexo de Frankenstein, ou seja, a criatura se voltando contra seu criador, então você pode aguardar um grande confronto vindouro. Ainda nos encontramos na segunda etapa da odisseia de Kubrick, portanto respirem fundo e se segurem, porque a coisa vai ficar tensa. Até a próxima vez!

Tempo de filme: 1:27:24  hr.

< Parte 2                     Parte 4 >


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